Capítulo Nove
-Tem certeza de que não quer ir ao mercado com a gente, filha? - minha mãe perguntou pela milésima vez.
-Tenho, mãe.
-Tudo bem. Nós não demoraremos, ok?
-Sim, mãe.
-Quer alguma coisa de lá? - meu pai apareceu por trás de mim.
-Hm, chocolate.
-Alguma coisa menos saudável? - ele ironizou.
-Banana.
-Melhorou - ele beijou meu rosto antes de sair, sendo seguido por minha mãe.
-Mas ainda vai trazer meu chocolate, certo? - gritei antes que ele fechasse a porta, vendo-o assentir com um suspiro teatral. Ri.Domingo, duas da tarde. Pessoas despreocupadas com o colégio estariam agora assistindo algum filme ou saindo para algum lugar com os amigos. Mas eu fazia parte da categoria de alunos preocupados em repetir o ano, e não poderia me dar esse luxo. Ao invés de baixar o mais recente episódio de Pretty Little Liars, baixei uma lista de exercícios de física de um site qualquer. Quase a mesma coisa, não?
Eu tinha um lápis em mãos e uma lista à minha frente, mas não sabia por onde começar. Que fórmula eu deveria usar? Sorvete? Sorvetão? Torricelli? Baskara? Mágica? Nenhuma das anteriores? Que ótimo. Quando busquei auxílio em um de meus livros, a campainha tocou.
Desci a escada e abri a porta.
Meus pelos eriçaram.
Meu estômago revirou.
Minha respiração cessou.
O sangue congelou em minhas veias.
Harry.
De repente eu me lembrei da conversa que tivera com meu pai na noite anterior. Eu o dispensaria.
Meu Deus, eu ainda não estava pronta para isso.
Os olhos dele olhavam fixos nos meus enquanto minha mente rodava em busca das palavras. Ele deu um meio sorriso tímido e ajeitou os óculos, e apenas quando sua voz entrou em meus ouvidos foi que saí do meu pequeno transe.
-Oi, Duda.
Eu não respondi. Quer dizer, eu sorri, e isso foi um tipo de resposta. Quando eu finalmente percebi que o estava encarando por mais tempo do que deveria, falei.
-Oi...
E, no momento seguinte, uma dúvida cruzou meus pensamentos.
O que ele fazia aqui?
-Hm, bom, eu só vim ver como você está...
Harry me olhava com um misto de suavidade e preocupação. Senti que minhas pernas falhariam a qualquer momento. Com um sorriso bobo no rosto eu me afastei, dando espaço para que ele entrasse. Assim que fechei a porta, minha ficha caiu. Ele estava aqui para me ver?
-Sério? - ouvi as palavras deixarem surpresas minha boca. Ele assentiu.
-Eu fiquei preocupado e resolvi passar aqui. Desculpe não ter ligado, espero não estar incomodando.
Me responda, em que mundo um ser desse incomoda? Em que mundo?
-E-eu... Não, imagine, você não incomoda... Claro que não... Eu estou bem... - minhas mãos suavam frias enquanto me engasgava com as palavras. Houve um momento de silêncio e um consequente constrangimento. Os olhos Verdes grudados aos meus fazia meu corpo esquentar, e eu sabia que estava corada. Eu até me preocuparia com isso se não tivesse visto as bochechas dele ficarem, talvez, tão rosadas quanto às minhas.
Ele estava corado.
Ele estava com vergonha.
Ele estava desconfortável.
Um pensamento esperançoso passou como um furacão em minha cabeça e senti meu peito ser tomado por uma onda de euforia. Mas, tão rápido quanto esse pensamento, uma voz sussurrou em meu ouvido.
Não se precipite.
Harry mantinha-se parado à minha frente, com as mãos atrás do corpo e os olhos perdidos por entre os móveis.
-Sente-se, vou buscar alguma coisa para nós bebermos.
-Não, não precisa - ele interrompeu meu passo - Obrigado. Eu só vim lhe trazer isso.
Harry tirou as mãos de trás do corpo, revelando uma caixa dourada envolvida por um laço branco. Franzi o cenho. Ele estendeu o braço e eu a peguei, abrindo um sorriso largo ao ler as letras que pareciam dançar no papel grosso.
Bombons finos com recheio de avelã.
Eu o olhei. Ele me devolvia o olhar com certa intensidade. Eu queria agradecer, dizer qualquer coisa, mas minha boca não me obedecia. Desci o olhar novamente para a caixa, apertando-a entre os dedos e respirando fundo.
-Obrigada.
Ele não disse nada, apenas sorriu seu sorriso mais lindo.
-Você não precisava ter feito isso...
-Eu sei, mas quis te agradar.
Minhas pernas amoleceram. Senti meu rosto esquentar novamente e meus músculos se contraírem involuntariamente. Eu estava tremendo.
-B-bem, você conseguiu... - minha voz não passou de um sussurro. Outro momento de silêncio.
-Eu só vim ver isso... - Harry fechou os olhos e balançou a cabeça rapidamente, fazendo gestos descoordenados com as mãos - Digo, te dar isso, e... E ver como você estava... Está...
Eu dei uma risada nervosa. Ele acabou rindo também, passando os dedos repetidamente por trás da orelha.
-Eu estou bem, obrigada por se preocupar. - Ele assentiu com um leve sorriso tímido nos lábios - E obrigada pelos bombons, eu adorei.
-Que bom... Então, eu já vou indo.
Nesse momento, uma onda de pânico tomou conta de mim. Senti meu corpo enrijecer e meus lábios entreabrirem-se. Rapidamente, ele foi substituído por uma tristeza profunda, e as palavras saíram engasgadas mais uma vez.
-Eu queria falar com você.
Harry me encarou. Ter aquele rostinho meigo e todo desenhado parado bem à minha frente e não poder tocá-lo como eu gostaria era uma espécie de tortura. Mas tortura maior era o que eu estava prestes a fazer comigo mesma.
-Parece sério. - Ele agora tinha uma expressão mais dura.
-Não é, relaxe - Tentei eu relaxar um pouco dando um sorriso, mas não adiantou. Indiquei o sofá com uma das mãos, sentando-me à poltrona bem à frente. Pousei a caixa nas pernas, brincando com a fita branca enquanto minha mente procurava pelas palavras, que demoraram a se organizar em uma frase.
-O semestre está acabando, e minhas provas também. Vou ter uma última na sexta, mas é de inglês, então... - deixei a frase morrer de morte natural, ele entenderia.
-Você está me dispensando? - A pergunta direta e dita com espanto de Harry me pegou de surpresa, e percebi que a ele também. Seus olhos ficaram mais abertos, o que ele corrigiu com rapidez, e o pigarreio veio depois. Eu abri a boca, mas não soube o que falar. - Quer dizer, e então você não precisa mais das aulas... Eu entendo, tudo bem, sem problemas... - As palavras saíram da boca dele como uma bala saindo de um revólver.
-É... E-eu... Eu não terei mais provas, e consegui recuperar o que tinha perdido... Mas eu agradeço de coração todo o tempo que você gastou comigo. Eu não teria conseguido sem sua ajuda.
E veio o terceiro momento de silêncio. Eu não consegui decifrar a expressão dele, nem ler seu olhar, coisa que eu havia aprendido a fazer com certa rapidez - e muito gosto. Ele esboçou um sorriso torto que me derreteu por dentro e ajeitou os óculos.
-Não foi tempo gasto, te dar aulas foi um prazer. Eu fico muito feliz em ter ajudado.
-Você foi um ótimo professor.
-Obrigado - Ele disse baixinho. Então se levantou, colocou as mãos nos bolsos e me olhou. Eu andei com ele até a porta e a abri. Harry me sorriu uma última vez, mas havia algo diferente naquele sorriso. Seus olhos não tinham brilho. Uma pontada de culpa surgiu em meu coração e ela se espalhou quando as palavras finais foram ditas.
-Se precisar de qualquer coisa, você tem meu número. É só ligar que eu venho te ajudar.
Não tive coragem de dizer mais nada. Não tive coragem nem de olhá-lo nos olhos direito. Mas tive a coragem de colocar suavemente os lábios no rosto dele em um beijo transbordando desejo.
O contato não fez bem algum para mim, mas eu não me importei. E o êxtase que isso me provocou me impediu de ver qualquer tipo de reação dele. Harry apenas atravessou a porta e foi embora, esquecendo-se de levar com ele o maldito perfume e o maldito buraco em meu peito.
Minhas costas deslizaram pela madeira da porta até que eu encontrasse o chão. Eu respirei fundo, fechando os olhos com força, escutando nada além das batidas pesadas do meu coração, que esmurravam meu peito. Eu desejei que ele esmurrasse minha cara. A pele macia ainda estava encostada em meus lábios e eu sabia que ela não sairia de lá de uma hora para a outra. Tentei colocar meus pensamentos em ordem. Por mais que eu quisesse continuar a vê-lo, eu sabia que tinha feito a coisa certa. Deveria pensar primeiramente em meus estudos e a presença de Harry tirava meu foco. Eu só gostaria de não precisar ter mentido tão descaradamente.***
Dois dias depois de ter dispensado Harry eu lia sobre História Geral sentada em minha cama. Depois que ele partiu, disse a mim mesma que estava tudo acabado e que não pensaria mais nele de agora em diante. Eu estava colocando uma pedra em cima dos últimos meses como se eles nunca tivessem acontecido. Já havia me prejudicado demais por causa de garotos. Não me prejudicaria de novo.
Estava lendo a questão de número trinta e cinco quando ouvi alguém bater à porta.
-Entre.
-Está muito ocupada, filha? - minha mãe colocou apenas a cabeça pela fresta, sentando-se ao meu lado depois de me ver negar. - Seu novo professor virá daqui uma hora. O nome dele é Ryan, e da aula de física e matemática.
-Tudo bem.
-Eu liguei para Aria ontem, para agradecer o que Harry fez.
-Ah, claro... - Tentei ao máximo não deixar que o nome dele provocasse alguma reação em mim. Foi inútil.
-Dê um tempinho dos livros, daqui a pouco Ryan estará aqui e é bom que você esteja com a cabeça tranquila.
Assenti. Minha mãe saiu do quarto e eu voltei à questão trinta e cinco. Seguir o conselho dela após ter a memória refrescada sobre certa pessoa não era uma opção segura. Eu respirei fundo, esvaziei a cabeça e deixei que a era das Cruzadas tomasse conta de mim.Algum tempo depois eu descia a escada vestindo um jeans claro, regata vermelha e um chinelo. Meu pai estava trabalhando e minha mãe havia aproveitado o dia de folga para ir às compras. A campainha soou às exatas quatro horas. Um homem de meia idade, baixo e barrigudo estava parado do outro lado da porta. Seus cabelos grisalhos eram despenteados e ele parecia ter tirado as roupas aleatoriamente do armário. Segurava um livro grosso em uma das mãos, junto ao peito. Um sorriso amigável habitava seus lábios enquanto os olhos castanhos olhavam nos meus.
-Maria Eduarda ?
-Sim.
-Sou o novo professor, Ryan. Muito prazer.
Sorri.
-Eu estava esperando pelo senhor.
Abri espaço para que ele entrasse. Preferi usar a mesa da cozinha dessa vez. Uma única palavra ecoava em minha mente.
Excelente
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Geek - H.S
Fiksi PenggemarEu era uma pessoa normal, uma aluna com boas notas. Ano novo, pessoas novas, e se posso dizer, más companhias, com isso eu fui para o pior lado, minhas notas caíram. Iria reprovar, iria repetir o maldito ano, se não fosse por ele