Capítulo Quatro

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Sempre soube que muitas coisas naquela comunidade eram estranhas e fora do lugar, mas nunca imaginei a quantidade de mentiras que foram usadas para construí-la.

Depois do choque quando descobri a verdade sobre a morte da minha mãe, sentei na cadeira em frente à mesa e tirei todos os outros livros que tinham dentro da gaveta, um deles era um diário e um outro era um registro das tentativas das duas poções ao longo dos anos. Peguei o diário e abri na minha frente, usando a mesa como apoio. A letra da minha mãe, desenhada e antiga, com uma tinta preta e grossa começava a contar os acontecimentos desde o dia em que saiu da comunidade para ficar com meu pai, passando pelo momento em que ela voltou. O registro mais recente tinha sido na noite anterior a sua morte.

As primeiras páginas contavam sobre os momentos em que ela passou com meu pai, os lugares onde foram juntos, os presentes e até os encontros em restaurantes que foram juntos onde ela precisou comer para fingir que era humana. No dia registrado como "o dia fatídico", ela contou qual foi a reação dele ao saber que ela era uma vampira. Minha mãe ficou arrasada e ao ler suas palavras, pude sentir as lágrimas teimando em querer sair. Ela fez a primeira poção do amor no dia seguinte ao contar a ele.

Eles passaram dois anos juntos. Minha mãe sempre renovava a força da poção usando seus poderes de vampira, por medo de perde-lo caso o feitiço se esgotasse. Quando ela ficou grávida e contou para ele, no mesmo instante o feitiço se foi, os dois brigaram e, simples assim, meu pai deixou minha mãe sozinha. No dia que nasci, ela voltou para a comunidade, com medo da solidão fora dali.

Os registros que se deram depois dali tinham raiva e rancor. As folhas estavam marcadas e rasgadas onde a caneta fora pressionada com muita força e a cada dia ficava pior. Ao virar a página, um registro datado de dois anos atrás chamou minha atenção.

"Ele disse que me ajudaria a cuidar da Verônica. Disse que me daria a minha casa de volta e me arrumaria uma profissão dentro da comunidade, algo bom que eu pudesse ter tempo de ficar com a minha filha.

Mas ele mentiu.

O que ele queria era uma mulher para se aproveitar e usar como bem entendesse. Essa noite, ele disse que havia cansado de todas as outras da comunidade e que eu havia chegado na hora certa. E eu não podia contar para ninguém ou tentar fugir de novo. Ele me enfeitiçou, me proibindo de sair da comunidade. Se eu pisar fora do cemitério, morro. E caso eu conte a alguém, vai me acusar de expor os vampiros para os humanos e vão me julgar, causando minha morte.

Nenhuma das opções protege minha filha e ela é tudo o que tenho. É meu dever mantê-la segura e longe dessas pessoas. Preciso acabar com isso e, mesmo que eu morra no processo, a segurança da minha filha é o que mais importa."

As páginas foram passando, cada vez mais minha mãe contava àquelas folhas seus planos, e me deixava no completo escuro. Por dois anos ela estudara e pesquisara formas de acabar com o feitiço para fugir ou encontrar maneiras de me tirar dali, mas todas elas tinham grandes chances de não acabarem bem. Em uma das noites com Mestre Talus, ela encontrou as respostas que queria e então colocou seu plano em ação.

Tudo o que aconteceu durante os anos, todas as noites que ela saia para cumprir sua parte do acordo com Talus, e ela nunca me contou nada. Sempre me protegeu de todos e eu achava que era apenas frescura.

As páginas daquele diário continham provas o suficiente para incriminar o Mestre Talus, mas minha mãe sabia que ninguém acreditaria nela. Por isso ela estava fazendo a poção da verdade, para que o próprio Mestre Talus contasse para todos o que fazia com ela durante as noites. Sobre a maldição, sobre o trato que a obrigou fazer.

Em outras páginas, ela lembrou os momentos com meu pai. Dizendo que sentia saudades e que não esperava a hora de apresentar a filha a ele.

"Os dois se parecem muito. Apesar da cor dos olhos, vermelhos como os meus e do cabelo ruivo, ela carrega a mesma expressão que ele tinha ao olhar alguma coisa que ama"

Ficar com ele novamente era o seu outro objetivo. Era para ele que ela estava fazendo a poção do amor, para ter seu amor de volta.

Quando fechei o diário e li os registros sobre as poções, percebi que minha mãe estava ficando cada vez mais obcecada em fazer meu pai ama-la novamente. A verdade do Mestre Talus a libertaria e assim ela teria tudo o que sempre quis, mas alguma coisa não estava certa naquela história toda. Nas últimas páginas do registro ela deixou um bilhete.

"Verônica, minha amada filha,

Sei que não tenho sido uma boa mãe para você. Me perdoe por isso.

O que estou fazendo é perigoso e proibido, não queria colocar você em apuros.

Tenho um plano, que pode não dar certo e posso acabar morta. Sei que não é o tipo de coisa que uma mãe diria a filha, mas você é forte e sei que aguenta a verdade. O que quero fazer pode deixar o mundo dos vampiros de cabeça para baixo, mas para que você fique a salvo e para que eu volte a ficar com meu amado, preciso correr esse risco.

Roubei os livros de poção que todos estão comentando, eles são os únicos que constam as poções mais fortes de que preciso. A poção da verdade, vai me libertar e assim, vamos embora. A do amor, vai trazer meu amado de volta para mim e seremos uma família feliz, você vai ver.

Caso isso não dê certo, tenho um plano b. Se eu pudesse, não hesitaria em fazê-lo antes de qualquer coisa, mas todos nós merecemos uma segunda chance para sermos felizes.

Roubei, junto com os outros livros, O Livro Negro dos vampiros. Em algum lugar e algum dia da minha longa vida, ouvi falar que se destruir esse livro, todos os vampiros morrem. A magia de todos é destruída e banida para sempre. Eu o escondi e está bem guardado.

Todos já sabem que ele sumiu, tenho certeza disso.

Não queria que essa mensagem chegasse até você, mas se está lendo isso, é porque eu morri. Descobriram o que eu estava fazendo e me mataram. Você, curiosa como é, iria buscar respostas e de alguma forma, no fundo da minha alma eu sabia que você encontraria essa mensagem.

Verônica, quero que faça uma coisa para mim: pegue o livro e elimine todos os vampiros. Por cento e cinquenta anos vivi entre eles e nos dias em que fiquei com seu pai, foram os mais felizes da minha vida. Esses seres não merecem fazer parte do mundo, apenas o deixam mais podre com sua ambição e poderes que usam para prejudicar os outros.

O livro está escondido no túmulo da sua vó. Camila Vermonte, no fundo do cemitério, onde a luz toca primeiro. Eles não iriam até lá, acham que nossa família é amaldiçoada. Pegue o livro e fuja, descubra como destruí-lo e termine isso.

Espero que viva, espero que possa andar no mundo dos humanos e ser normal. Você é especial, e é mais poderosa que imagina. Pode não ser uma pura, mas é mais forte do que qualquer outro puro que já conheci.

Viva, Verônica. E seja forte, vai ficar tudo bem.

Amo você para sempre.

Paola Vermonte."

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O Livro de AurumWhere stories live. Discover now