Capítulo Três

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Mesmo com as faixas vermelhas cercando a casa, os curiosos se amontoaram atrás delas, esgueirando o pescoço para tentar ver o que tinha dentro e ter um mínimo de visão do que estava acontecendo.

Minutos depois que a ficha caiu, corri para a cozinha e apertei o botão de emergência que tinha em cada casa. Mestre Talus estava na minha porta em menos de dois minutos após eu ter acionado ao alarme. Seu olhar de surpresa ao ver a bagunça, indicava que ele também sabia que minha mãe nunca deixaria a casa daquela forma.

Mostrei o caminho para o porão e o corpo da minha mãe estendida no chão, sem vida. Ele pediu que eu subisse e fosse para o meu quarto enquanto ele cuidaria de investigar o que acontecera ali. Hesitei por um segundo, sem querer deixar minha mãe, sozinha, mas acatei seu pedido. Subi as escadas e encostei a porta do meu quarto. Do andar de cima, as vozes do Mestre Talus e dos outros vampiros chefes soavam distantes e mesmo com a cabeça contra a brecha da porta, estava difícil de ouvir sobre o que estavam falando.

Horas depois, ele foi ao meu encontro. Eu estava juntando a bagunça que haviam deixado para trás, quando a porta abriu lentamente com um rangido.

— Verônica, nós terminamos lá embaixo. — Ele falou com a voz suave e sedutora de sempre.

— O que aconteceu com ela? — Coloquei alguns livros em cima da cama e virei em direção ao vampiro. Abracei meu corpo sem saber onde colocar as mãos enquanto esperava a resposta.

— Parece que sua mãe estava mexendo com magia negra e uma das mais proibidas. — Ele soltou um suspiro, pegando uma das roupas que estavam jogadas no chão para analisar e a colocou dobrada sob a cômoda. — Provavelmente, ao tentar concluir a poção algo deu errado e seus poderes foram sugados, tirando sua capacidade de se manter jovem. Pela idade deve ter sucumbido a problemas humanos.

— Os poderes de vampiros não podem ser retirados dessa forma, apenas através de um ritual. Isso é impossível, Mestre Talus. — Dei alguns passos para trás, e assim que minhas pernas tocaram a base da cama, sentei e desviei o olhar para o que restara das minhas coisas. — Ela não pode ter morrido, uma vampira sangue puro, com poderes incríveis... era a única pessoa que eu tinha nesse mundo.

— Todos nós estamos aqui para você. Nossa comunidade nunca iria te abandonar, a senhorita é parte dela. — Sua mão tocou meu ombro por alguns segundos antes de recolhe-la e posicionar junto a outra na frente do seu corpo. — Precisamos preparar o ritual de adeus. Como é sua mãe, você tomará frente dos dizeres. Assim que o sol se pôr, iremos começar.

— Tudo bem.

— Ótimo, vejo-a mais tarde.

O sapato fazia barulho ao pisar no chão enquanto ele caminhava do meu quarto ao porão e depois do porão a porta de saída. Se eu descesse, encontraria a casa ainda revirada, mas o corpo da minha mãe provavelmente sumira. Deitei a cabeça no travesseiro e fiquei ali, sem saber o que fazer primeiro. Era como se, com a vida da minha mãe, eu havia perdido o rumo do que fazer, por onde começar. Sei que deveria arrumar a casa em sua memória, mas também, precisava estudar as palavras do ritual de adeus. Recomeçar a vida, sozinha, nunca foi um plano que passou pela minha cabeça. Nem mesmo quando eu me sentia solitária por estarmos na mesma casa e ao mesmo tempo longe uma da outra.

Sempre acreditei que minha mãe estaria ali. Principalmente quando eu parasse de envelhecer e me tornasse uma vampira sangue puro. No fundo, era um desejo que nós duas compartilhávamos. O sangue de vampiro se tornar dominador no momento em que eu atingisse a maior idade e nós ficarmos juntos pela eternidade, afinal, sempre fomos só nós. Não seria muito diferente. Mas agora esse desejo se fora, assim como a única amiga e companheira que tivera nos meus dezesseis anos. Ser uma mestiça em uma comunidade apenas de sangue puros era praticamente prender uma criança da noite em um poste próximo ao amanhecer e esperar que ela sobreviva quando a luz do sol tomar conta.

O Livro de AurumWhere stories live. Discover now