Estilhaçada

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– Por favor, não me mate! – Annie implora, recuando.

Minha cabeça vasculhava alguma ideia. Olho para as câmeras do local.

Corro até Anne e a mesma se encolhe. Jogo-a no chão, ficando por cima dela e deixando que os meus cabelos cubram a visão de minha boca. Digo a Annie que nós duas teremos de fingir que estamos lutando até darmos um jeito nas câmeras. Obviamente falei sem fazer som nenhum, dependendo totalmente de Anne; se ela havia entendido minha leitura labial.

Ela rosna algo como "uhum" e então começa o teatro.

Tentei controlar os socos e tapas, mas Anne acabou acertando alguns em mim.

Faltava pouco para eu ficar sem energia e desmoronar no chão.

Annie começa a me "conduzir" até um canto, e percebo algumas pedras grossas caídas no chão. Sem hesitar, as pego e jogo perto da câmera, avisando Anne para desviar. A pedra voa longe e eu erro feio.

Busco mais uma. A última. Lanço novamente e dessa vez ela quase atinge a câmera, por pouco.

Olho para trás em desespero. A parede. Uma parede quebrada estava atrás de nós. Era provavelmente de onde as pedras haviam caído.

– Cabeça. Parede. – Falo entredentes baixinho.

De começo ela não entende até que pega minha cabeça e bate com força na parede. Dói, e muito. Ela bate novamente, e ouço algo se quebrar. Acho bom ter sido a parede e não meu crânio.

Cato o pedaço de pedra na mão e miro na única câmera. É agora ou terei meus miolos estourados.

A pedra atinge em cheio no alvo, e fecho os olhos, aliviada. Não se passa nem dez segundos e a porta se rompe, revelando dois caras.

Ás vezes a gente têm que escolher em quem vai confiar, e eu não sei se era pelo fato de estar muito cansada para pensar ou confiar mesmo que me levantei fracamente e então Annie e eu fomos até eles.

– Vamos, venham conosco. – Disseram.

Alguém botou os braços em volta dos meus ombros e começou a me guiar.

Até que eu paro.

– Meu...meu amigo...Spen...– enrolo ao dizer e me viro, tentando identificar o garoto ao meu lado. Era loiro e alto, mas acho que eu estava muito mal para conseguir ver o rosto.

– Nós estamos indo o pegar – diz ele.

Um alívio toma conta do meu peito. Eu estava quase pensando que tudo aquilo era um sonho.

Quem dera.

– Por aqui.

Quase tenho um infarto quando identifico Spencer. Era impossível não reconhecer suas roupas, seu suéter, seu cabelo. Ele estava todo espancado, e olha que eu ainda não conseguia enxergar as coisas muito bem.

Mas estava lá. Estava bem. Estava vindo em minha direção. Ai meu Deus, ele viria comigo, e tudo voltaria ao normal. Nossa vida normal. Nós sairíamos dali e...

Uma mão com uma faca surge no ar.

Uma faca preenche o peitoral de Spence.

Uma faca o atravessa. Uma faca atravessa meu melhor amigo. Rasga meu melhor amigo.

Um tiro é disparado ao meu lado e o homem que enfiou a faca cai nos braços da morte.

E eu grito. E eu choro. Com todas as minhas forças, eu berro. Mais uma vez, eu perdia alguém. Esse era um dos piores sentimentos; sentir que perdeu alguém. Sentir que ela não vai mais fazer parte da sua vida e que as pessoas vão começar a usar o termo ele era e não ele é, porque ele se foi. Ele se foi. Spencer se foi.

Alguém me puxa. Alguém me envolve. Eu luto. Resisto porque não é nada fácil olhar a pessoa que é parte da sua vida cair no chão. Sem vida. Jogado do abismo rumo á morte.

A dor era inexplicável. A dor é inexplicável.

Só me lembro de chorar e chorar e estar no colo do garoto loiro e chorar e chorar até pegar no sono.

Lose ItWhere stories live. Discover now