Chaves

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As nuvens se movimentavam lentamente em frente ao céu azul. Esse era o começo de um dos sonhos que eu mais gostava. Primeiro, uma floresta silenciosa invade meus pensamentos e depois de um tempo, só se ouve um som baixinho de pássaros piando. Uma brisa suave dança pelos ares. Eu fecho os olhos e me aconchego nos braços acolhedores daquela floresta, pura.

— Rach, querida — ouço meus pais me chamarem carinhosamente.

Eu era como minha mãe costumava dizer. Uma jovem presa no corpo de uma garotinha. Isso quando eu tinha onze anos, que era a idade que eu estava neste momento. Minha cabeça sempre fazia essas coisas; voltar no passado pra me fazer feliz novamente.

Então eu tinha de escalar uma árvore cheia de espinhos para chegar até meus pais, que estavam numa casa da árvore. Eu usava luvas para isso. Cada vez que escalava, me sentia um pouco mais completa. Como se todos os caquinhos quebrados do meu coração se juntassem á medida que eu ia subindo mais alto.

— Vamos, Rach. Você consegue. Acreditamos em você. — Esse era meu pai falando, do jeitinho que só ele sabia falar. Me transmitindo confiança.

Alcanço a casa da árvore, alegre. Mas eu não encontro meu pai. Encontro um garoto, bem mais velho. E agora, eu também estou mais velha. Estou nos dias de hoje.

O garoto se vira, e um Spencer com o rosto cheio de hematomas está na minha frente.

— Por que você me deixou? Por que você não me salvou, Rachel? — diz ele com os olhos brilhando; a expressão mais triste que eu já havia visto.

— E-eu tentei, Spencer eu tentei... — gaguejo.

— Eu nunca mais vou poder fazer a faculdade! Eu não vou me formar, eu não vou! Nunca mais terei um namorado, nunca mais poderei casar, nem ter filhos! E a culpa é sua! — Spence berra para mim completamente angustiado. Eu me despedaço. Eu me estilhaço por dentro.

Era como se alguém estivesse sugando meu sangue, sugando meu oxigênio, tirando tudo de mim. Tudo aquilo que me pertencia.

Eu era como uma substância tóxica, envenenando todos aqueles me conheciam. Eu era uma substância fatal. Era boa, mas apenas para o mal. Pessoas ao meu redor me encaravam com medo, protegendo seus filhos, irmãos. Meus pais e Spencer estavam na multidão, caindo. A medida que caíam, outros os acompanhavam.

Até que por fim, estavam todos jogados no chão; sem vida.

Minha respiração está acelerada. Acordo assustada e suando. Engulo em seco. Havia sido um sonho, apenas um sonho. Nada de Spencer machucado, nada de pais com medo de mim.

— Oi. Achei que não acordaria mais. Você está bem? — Diz uma voz tranquila. Um menino extremamente alto e moreno está sentado a minha frente. Ele tenta colocar sua mão na minha, já que ainda estou tremendo. — Meu nome é...

Eu o chuto. Tento, pelo menos. Minhas mãos e pés estavam amarrados em uma cadeira. Fico com mais raiva, e luto furiosamente para tentar sair dali.

— Onde está Spencer?! Me diga onde ele está. Spencer?! — esbravejei.

Ele apenas se afasta um pouco, pego de surpresa, e me encara.

— Você não se lembra? — levanta a sobrancelha.

O encaro. Obviamente eu me lembrava. Infelizmente.

A cena da faca e de Spencer passa pela minha cabeça e acabo evitando seu olhar, fazendo o máximo de esforço para não chorar.

— Eu sei que deve estar sendo difícil pra você. Mas eu preciso que você me diga se lembra de alguma coisa do lugar. — ele se aproxima novamente. — O lugar que você e seu amigo estavam.

Lose ItWhere stories live. Discover now