Em Milton, os jovens do primeiro ano do ensino médio tem a estranha tradição de burlar seu Natal em família e fazer um enorme acampamento na escola.
Eu estava morrendo de vontade de voltar pra casa e ver meus amigos e minha família, mas depois daquela visita surpresa da diretora à sala de aula, percebi que não conseguiria voltar tão cedo.
-Com licença, preciso dar um recado importante para os alunos.
Sem nem mesmo esperar a resposta da professora de biologia, a diretora Ginger entrou na sala, trazendo consigo uma prancheta lilás e uma caneta esferográfica preta com estampa de zebra presa atrás de sua orelha direita.
-Como é de conhecimento geral, a escola faz uma pequena gincana para aqueles alunos que por algum motivo não retornam para casa no Natal.
Todos os meus colegas se entreolharam, nervosos.
Virei para a direita bem à tempo de ver a Emma bater o joelho que sacudia embaixo da mesa na parte debaixo do tampo, provocando um estrondo e fazendo todos rirem da cara dela.
Ginger fechou a cara e pigarreou bem alto, obtendo a atenção dos alunos de volta à si.-Eu e a coordenadora percebemos que por alguma coincidência, praticamente todos os alunos de primeiro ano ficam na escola todos os anos. Portanto, decidimos distribuir pontos pela presença na gincana. Vocês terão outra chance de passar em matérias nas quais não estão muito bem, então pensem bem antes de recusar a oferta.
Ela continuou tagarelando algo sobre integração dos alunos, mas eu nem escutei.
Essa tal de gincana seria minha chance de gabaritar o boletim. Eu estava quase abaixo da média só em geografia, e os boletins do semestre já haviam sido fechados.De repente, senti um cutucão nas costas, dado por Jack, que me fez voltar a prestar atenção no falatório da diretora.
A essa altura, ela já havia se apoderado da mesa da professora e estava anotando as confirmações de presença do acampamento em uma lista de chamada.
-Finn Wolfhard, você vai ou não?
Sacudi a cabeça de leve, nessa mania que tenho desde criança, respondendo sem nem pensar:
-Vou sim, diretora!Ela assentiu com a cabeça e continuou confirmando o acampamento com os meus colegas, enquanto Jack jogava uma bolinha de papel na parte de trás da minha cabeça.
Virei pra classe dele pra reclamar, mas fui interrompido pelo próprio, que indagou:-Cara, você por acaso toca violão?
-Eu fazia aula um tempo atrás, acho que ainda sei tocar alguma coisa.
-Demais! A gente sempre quis fazer aquelas rodinhas de violão, mas nenhum de nós toca. Valeu mesmo!
Dei um sorriso enquanto respondia ao seu "high five" discreto, pra logo depois voltar a minha atenção ao resto da sala. A diretora estava indo embora e os meus colegas conversavam animados sobre o acampamento.
Alguns minutos mais tarde, o sinal tocou, anunciando o fim das aulas.
Saí da sala com o Jack e a Leslie, procurando o resto do pessoal. Nos encontramos no portão da frente da escola, onde um casal animado conversava mais animadamente ainda sobre o acampamento, acompanhados por uma Erica levemente impaciente.
Começamos a nos encaminhar para os dormitórios, atentos ao diálogo.-Em, vai ser demais! Fiquei tão feliz por poder passar o Natal com você esse ano, sério!
-Eu sei! A gente vai poder ficar acordados conversando a noite inteira e se empanturrar de salgadinho!
De repente, Erica veio caminhar ao meu lado. Desde o incidente da festa não nos falamos muito, só o necessário.
-Então, eu precisava falar com você.
Ela olhava pra baixo, como se estivesse envergonhada.
-Sou todo à ouvidos.
-Acho que você percebeu que eu fiquei meio sem graça depois da festa, né?
-Hm, sim. Aliás, me desculpe se foi algo que eu fiz, eu nunca quis te fazer mal de jeito algum.
A morena ao meu lado deu uma risada suave, levantando o seus olhos azuis pra me olhar.
-Você é uma graça, sabia?
Senti meu rosto ficando vermelho. Nunca fui bom em receber elogios.
-Óbvio que você não fez nada, garoto! Eu que me empolguei demais!
-É que eu não lembro de nada daquela noite, mesmo.
-Sério? Que fracote!
Olhei pra ela de canto de olho. Um sorriso debochado repousava nos seus lábios rosados.
-Como se você lembrasse de muita coisa.
-Eu lembro de coisas o suficiente pra saber que você passou uma vergonheira danada!
-Ata. Se isso fosse verdade, os meninos teriam me dito, e você sabe disso.
Ela só deu uma risadinha de lado e apressou o passo, em direção a Leslie e Jack, que conversavam extremamente alto sobre algum assunto aleatório.
À frente deles, Emma e Malcolm andavam de mãos dadas, rindo e conversando baixinho.
Olha, não vou negar; eu não conseguiria nem se quisesse.
Pensar que eu perdi a minha chance de ter aquilo ainda me machucava.
E muito.•
Dias depois, o Natal chegou, e com ele, o acampamento. Obviamente, minha família e meus amigos não reagiram muito bem à ideia de passarem o feriado longe de mim.
Minha mãe e minha avó ficaram chateadas, mas ao invés de reclamarem, me mandaram um pouco da ceia pra que eu me sentisse mais perto delas;
Noah se emburrou comigo;
Caleb, Gaten, Jack e Sadie mandaram milhares de fotos pra me fazer sentir mal por não voltar pra casa;
Romeo ficou meio chateado, mas foi o único dos meus amigos que não brigou comigo/me xingou/me bloqueou no Whatsapp;
Millie ficou muito triste e me deixou no vácuo em todas as redes sociais possíveis, pois estava com saudades.
Lógico que eu também fiquei, mas meus amigos de Milton tentaram me distrair, e conseguiram me fazer esquecer do que eu tinha deixado pra trás por uma noite.
Afinal de contas, eu não vivia só de tristeza e saudade; eu estava aproveitando cada momento na minha nova escola e tudo que vinha junto com ela.
O acampamento de Natal foi demais, mas uma vozinha no fundo da minha cabeça ficava dizendo, baixinho:
"Você vai voltar e eles nem vão lembrar o seu nome, cara! Eles seguiram as vidas deles, segue a sua!"Eu ainda estava muito preso a Portland e sabia muito bem o que me fazia sentir assim.
Ou melhor... Quem.
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unbroken; fillie
Romancedizem que por trás de todo grande amor existe uma grande amizade. mas e se fosse ao contrário?