Eu estou na fronteira entre a vigilância e o descanso, em um estado de consciência enigmático e fascinante, caracterizado por visões oníricas e ocorrências sensoriais estranhas. Os médicos costumam chamar isso de hipnagogia. É o que acontece entre os dois estados básicos da consciência: estar dormindo ou estar acordado.
E eu domino a arte de estar no meio deles desde que nasci.
Não consigo explicar muito bem, mas acho que o meu corpo usa isso como uma defesa. Não estou completamente apagada, mas ainda posso sonhar. Minha mente fica fluida e hiper associativa. É como se todas as camadas da minha memória se expressassem através de sensações pelo meu corpo.
Bem naquele momento, sinto que estou de volta ao balanço no precipício com Seth Rowan. Estamos novamente voando. O limbo entre meus dois estados de consciência faz o meu estômago dobrar, urgindo gelado e me obrigando a respirar de forma entrecortada.
De certa maneira, minha hipnagogia é o melhor que posso ter dos dois mundos. Tenho fluxos de ideias cerebrais revivendo memórias, pensamentos e sensações, mas estou acordada o suficiente para sentir o que está acontecendo. E é acalentador estar voando sobre o cânion de novo. Posso rever os cabelos castanhos de Seth viajando diante dos meus olhos. Seu sorriso de queixo esticado por causa da adrenalina.
Minha mente cambaleia em uma única direção e acordo repentinamente sem sobressalto algum. Geralmente eu tendo a dormir após entrar naquele estado. Mas não deitada em um dos quartos de hóspedes dos Rowan. Estou tão acordada que revejo tudo o que aconteceu nas últimas horas como um flash. É isso que faz com que eu gire no colchão macio e me sente.
A janela, parcialmente vestida com uma camada fina de cortina aveludada, deixa a luz de um farol escapar. É a única coisa além da enorme cama macia que consigo distinguir. O som de um carro corta o silêncio e desaparece logo em seguida. É estranho que haja movimento em Seven Heavens no meio da madrugada.
Uma pontada de dor pinica minha nuca quando imagino que possa ser a viatura do meu pai. Nunca devia ter fugido daquele jeito. Sinto que a coisa mais estúpida que fiz foi me enfiar ali, na casa de James Rowan.
Quando abandono o quarto escuro, um fogo de curiosidade me percorre. A casa não está tão iluminada quanto antes enquanto percorro o segundo andar. Aquela casa tem o corredor mais longo da cidade. Eu tinha medo dele quando era criança. E, a julgar pelo modo como os pelos dos meus braços se levantam, ainda tenho.
O silêncio pungente faz com que eu me sinta afogada em lembranças. Há muitos anos, brinquei de esconde-esconde por várias vezes aqui. Pet Rowan penteava meus cabelos no último quarto, o maior deles. E Seth e Carson sempre estavam dentro de armários nos outros cinco quartos que se estendem pela construção, esperando avidamente pelo momento em que poderiam me matar de susto.
Eu me abraço, dando as costas ao corredor e buscando as escadas. Não ouço a família Rowan em lugar nenhum. Me pergunto se eles estão dormindo, mas chego a conclusão que não. Há luzes acesas na garagem e em uma porta fechada no primeiro andar. Depois de contar tudo para Seth e Carson, James se trancou ali com os filhos e eu me escondi no primeiro lugar vazio e aberto que encontrei no segundo andar.
Desço as escadas sentindo meus ossos rangerem de cansaço enquanto analiso o salão de catedral, tão alto quanto o de uma igreja. Apesar da pouca luminosidade, consigo enxergar o enorme relógio cuco na parede menos decorada da sala marcando duas da manhã. Confiro o meu relógio de pulso mais como uma mania idiota. Olhar para meus próprios ponteiros me traz a falsa segurança de que o que estou vivendo é real.
A casa dos Rowan possui janelas amplas e elevadas. É através da luz que vem do lado externo que meus olhos detêm os móveis típicos de uma revista de decoração, o lustre de chifre de cervo bem no centro, a mesinha rústica e substancial.
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Regras Mais Selvagens |1| ✓
Teen Fiction¨ Vencedor do prêmio Wattys 2020 na categoria Young Adult ¨ © 2019 por pricilla caixeta | todos os direitos reservados. A família Rowan está de volta à pequena cidade de Seven Heavens depois de uma temporada na Europa, mas Olivia Wilder preferiria...