Almeida
Releio o email dizendo que perdi licitação do novo conjunto habitacional, e ver o nome da construtora do João aumenta ainda mais minha raiva.
Poderia ter perdido para qualquer merda de construtora, menos para ele. Sempre tive raiva dele por ter tudo o que devia ser meu, toda atenção era minha não dele, os carinhos eram meus.
Era tudo meu.
Olho para Tia Juju esperando seu beijo de boa noite, mas ela demora muito na cama do recém-chegado falando baixo e escuto o choro do menino.
- Calma, meu anjinho. – sento na cama ao mesmo tempo em que ela o põe no colo. – A tia Juju está aqui, vai da tudo bem. – fecho os olhos escutando suas palavras.
- Tia? – chamo da minha cama. – Meu beijo. – cobro mesmo sabendo que ela vem daqui a pouco.
- Já estou indo Almeidinha – sua voz suave preenche o dormitório.
- Estou com sono. – reclamo coçando o olho.
- Já volto anjinho. – deita o menino e vem a mim. – Boa noite Almeidinha, tenha bons sonhos e que o anjo da guarda lhe proteja sempre. – me jogo ao redor de seu pescoço e não solto. – Almeidinha, por favor. – pede puxando meus braços.
A lembrança da primeira vez que vi o João me vem e consigo sentir o mesmo sentimento, sentimento de perda. Porque antes dele chegar ao orfanato eu era o queridinho da tia Juju, era o primeiro a tudo, esta em primeiro na fila de adoção dos mais velhos. Até aquele merda chegar.
Lembro-me do dia de apresentações que tínhamos todos os meses para os possíveis pais, eu estava vestindo um terno feito sob medida, cabelo penteado e com gel, unhas cortadas e limpas, sapatos brilhando, já o João estava vestindo um conjunto de algodão, cabelos despenteados e sandália de dedo mostrando as unhas sujas e grandes.
Mostrando o quanto era displicente com sua higiene pessoal, dava para perceber que não teria nenhuma família interessada em lhe adotar. Um sorriso de vitoria nasceu em meus lábios quando me lembro de minhas notas exemplares, das redações comentadas durante as aulas e como eram usadas como exemplo a se seguir, as notas do João eram baixas e as redações eram com erros simples de português, mas isso não foi o empecilho para que o casal mais bondoso que já tinha aparecido para as visitas lhe querer.
Tia Juju disse que foi paixão a primeira vista dos três e que o João seria bem cuidado e blá blá blá, tinha parado de ouvir na mesma hora que pegou minhas mãos. Era sempre esse mesmo discurso quando não tinha nenhum casal apaixonado por mim, ou outro mais velho.
Todo o meu esforço tinha ido para o ralo, ser o aluno exemplar, o órfão limpo e educado não tinha resultado esperado e foi ali que mudei, as notas despencaram, não ia mais para as oficinas, não fazia mais os trabalhos que os professores passavam e ia apenas as aulas quando a Tia Juju ia me buscar. Passei a ter a meta de infernizar a vida do João, tudo e qualquer coisa que ele fizesse eu sabotava, rasgava suas roupas novas, cortava os sapatos novos ou os enfiava na lama. Rabiscava os livros e trabalhos, qualquer coisa que fizesse eu estava os estragando. Vivi metade do ano seguinte de castigo, mas não importava o castigo eu fazia tudo de novo.
Parei apenas no dia em que ele foi embora, ai passei a incomodar todos os novatos, liguei o foda-se para todos os pais que vinham visitar.
Sai do orfanato perto já dezesseis anos, sendo adotado por pessoas que queriam apenas número para ganhar mais dinheiro do governo, nesses programas sociais, na casa nova era pior que o orfanato, as cinco crianças adotadas dormiam no mesmo quarto e eram um beliche e um triliche, onde fiquei. A casa era de quatro cômodos, os dois quartos, um banheiro e sala cozinha, éramos obrigados a deixar a casa sempre limpa e comida feita para quando chegarem do trabalho comerem e saírem para o trabalho no segundo turno.
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A Mãe do meu Sobrinho
RomanceSinopse e elenco disponíveis. Postagens iniciadas e atualizações de novos capítulos nas sextas ...