Outra vez terminei a estrofe e não lembrava como tinha começado. Eu estava naquela página desde que o sol desaparecera no horizonte. Com a noite veio o bilhete que queimava em minha mão.
A mensagem era simples, mas sempre que pensava nela meu corpo todo formigava e meu coração parecia querer saltar do peito.
Abri outra vez o papel e reli as palavras decoradas "Senhor meu marido, se deseja avançar em nosso ensaio, por gentileza, mantenha a porta entreaberta e dê-me permissão para acordá-lo".
A serva que o trouxe disse que Aurelie passava melhor, a febre tinha cedido. Soube então que Martine em breve estaria ali.
Não foi o que aconteceu. Horas tinham se passado e eu me martirizava com sua ausência e a expectativa de sua presença me fazia inquieto e distraído. Não havia a menor possibilidade do sono me embalar.
Fechei o livro desistindo e me recostei no travesseiro. Era tarde, muito tarde. A porta entreaberta dos nossos quartos me mostrava que Martine ainda não tinha voltado dos cuidados com Aurélie.
Após o almoço, fiz o que pediu e circulei pelos domínios do castelo, conversei com os trabalhadores e me inteirei do que ocorria. Inclusive, resolvi uma pequena desavença envolvendo a disputa de dois vizinhos por uma cabra.
Evitei a todo custo encontrar com meu pai. Porém, era impossível não me despedir de toda a família.
Minhas irmãs me abraçaram e beijaram em pratos, exceto Laurie que estava emburrada desde o almoço. Eu também não entendia porque logo depois de eu dizer a Martine que minha irmã não queria se casar, ela justamente arranjara um casamento.
Era cruel.
Eu teria que confrontar Martine neste assunto.
Minha mãe parecia mais feliz ao me abraçar. Sussurrou várias frases incompreensíveis e reafirmou que me amava e desejava toda a felicidade e muitos filhos para nós.
Meu pai colocou as mulheres na carruagem e quis falar comigo a sós. Achei que minha mente estava pregando uma peça quando ele me parabenizou pelo modo como tinha "domado" minha rebelde esposa.
Eu não sabia se ele realmente acreditava que isso tinha acontecido, ou se ele queria crer que poderia se apossar da gestão dos bens de Martine.
A alegria em pensar nisso e em saber que Laurie se casaria com o filho de um conde o cegavam para o pensamento racional.
Não o desmenti. Dilermando Gaillard merecia uma lição.
Quando a carruagem se foi, senti um peso sair dos meus ombros. Eu estava livre do meu pai, ao menos por enquanto.
Tentei voltar a ler, mas minha mente estava em alerta para qualquer movimento no outro quarto.
Mais cedo, flagrei os criados comentando que Martine não arredara o pé do quarto de Aurelie, dera ordens expressas de não serem interrompidas e ordenou a busca de várias plantas, algumas delas extremamente raras.
Os mexericos cessavam quando percebiam minha presença. Era constrangedor e tive vontade, por diversas vezes, de repreendê-los por falar assim de sua senhora.
Todavia, não me sentia senhor daquele lugar e não tinha o direito de intervir. Eles pareciam conhecer muito mais sobre Martine do que eu.
Naquele instante, dei-me conta do pouco que sabia sobre a mulher que se tornara minha esposa. Era viúva, filha única, os pais tinham desaparecido logo após ela ter se casado, em uma viagem para o Novo Mundo.
Ela dera a entender que tinha conhecido alguém enquanto era casada e se relacionara com ele. Mesmo que pertencesse ao passado, isso me incomodava sobremaneira. Apesar de tudo, Martine era uma adúltera e isso ia contra tudo o que eu acreditava.
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A devassa e o santo [COMPLETO]
RomanceUma baronesa libertina Um seminarista por puro Um casamento arranjado A devassidão de Martine d'Aulnoy corromperá a santidade de Benjamin Gaillard? Se vc estiver lendo esta história em qualquer outra plataforma q não seja o Wattpad, provavelmente...