A santa - Bônus

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5 anos antes

Fechei os olhos com força quando senti seu hálito quente, esperando o toque brutal dos lábios nos meus. Assim, era a relação entre um homem e uma mulher.

Mesmo que eu estivesse me sentindo atraída por aquele estranho cigano, mesmo que ele tivesse sido respeitoso e gentil me mostrando o acompamento, o fim era sempre igual.

Estavamos em sua tenda, na privacidade dos tecidos ele poderia fazer o que quisesse comigo.

Ao longo dos anos, o casamento me mostrou que ser resiliente e não lutar impedia mais dor e sofrimento.

Esperei e nada aconteceu.

— Abra os olhos, Martine — a voz me ordenou e apenas obedeci.

Sua expressão era confusa e ao mesmo tempo de pesar. Não compreendi porque ele não me tomava ali e terminava com aquela agonia.

— O que fizeram com você, menina? — a voz era doce e gentil, ele parecia tão sábio e protetor.

Senti meu queixo tremer, mas as palavras ficaram presas, esmagadas pela vergonha.

— Eu não vou tocar em você! — sentenciou e deu dois passos para trás

Olhei-o perplexa sem assimilar o que ele dizia. Eu aprendi que todos os homens só queriam o que estava embaixo das saias das mulheres e tomavam sem delicadeza ou respeito.

Por que ele agia diferente?

— Eu sei que me deseja! — sussurrou ainda distante —Seu corpo responde ao meu, mesmo que não compreenda, mas não a tocarei enquanto tiver medo de mim.

Percebendo que eu pouco entendia o que estava falando, me pegou pela mão e levou até um amontoado de almofadas sobre um tapete macio.

Meu coração batia tão forte que eu tinha dificuldades em compreender o que dizia, minha mente estava anuviada. Medo e vontade que ele me tocasse se confundiam, se retraíam e se opunham.

— Nossa tribo tem origem matriarcal — explicou enquanto se sentava e me indicava um lugar ao seu lado, a mão delicadamente segurando a minha, eu sabia que se quisesse poderia me libertar de seu toque, mas ele me dava uma segurança dificil de consernir — quem fundou nosso povo foi um grupo de mulheres celtas vindas do norte, eram guerreiras e criaram um sistema que as respeitava fisica e intelectualmente. Para efeito de negócios com os gajes, sempre temos um líder homem que representa o acampamento entre o seu povo, mas aqui tudo é decidido pela comunidade. Os anciãos são ouvidos e quase sempre seguidos, pois tem a experiência que falta a nós, os jovens...

Olhei incrédula, eu nunca tinha ouvido falar de nada parecido com aquilo. A forma como se organizaram era única.

— Aqui a maioria dos casamentos é arranjado, porque os noivos acreditam que a sabedoria de seus pais e avós é capaz de lhes proporcionar uma vida plena, feliz e tranquila — continuou explicando e eu ficava cada vez mais assombrada e encantada — há aqueles que decidem se casar por empatia, paixão, amor ou desejo. Nesses casos, as famílias gritam, choram, brigam, ameaçam e no final, festejam por cinco dias o enlace.  Há outros, como eu, que decidem não criar vínculo e apenas viver a vida...

— Queria ter nascido aqui... — choraminguei. Pensei no quanto minha vida tinha sido horrível até ali e em como tudo teria sido mais simples se eu fosse filha de algum daqueles ciganos.

— Você é casada, então eu compreendo o que viveu, mesmo que não queira ou consiga me dizer — senti o rosto ruborizar, ele sabia, conhecia minhas vergonhas, o que meu marido fez com meu corpo — aqui, nenhuma mulher é submetida a força, os homens também não são instigados a se relacionar apenas para ter experiência de vida. Às vezes, as núpcias de um casal demora seis, sete luas. É claro que a tribo inteira sabe disso e eles se tornam o assunto da vez, com apostas de quando vão desencalhar.

A devassa e o santo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora