A devassa

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Com o cavalo descansado e a claridade do dia, consegui fazer o caminho bem mais rápido até chegar à estrada. Estranhei o fato de haver tanta movimentação. Aquela região era praticamente deserta fora das festas religiosas.

Conferi se o chapéu estava bem preso na cabeça e escondia o que sobrou do meu cabelo. Eu estava suja e suada da viagem, sem maquiagem e com roupas masculinas. Não me reconheceriam.

Emparelhei o cavalo devagar com um grupo de jovens que caminhava animado. Andei como se soubesse para onde iam e agucei os ouvidos. Se viram que eu tinha me juntado a eles, não se incomodaram o que indicava que não se conheciam de longa data.

- Eu nunca vi uma bruxa de verdade, mas achei que eram velhas... - um deles especulou.

- Mas são, é que elas se disfarçam para enganar... - explicou o outro com ar de sabedoria.

- Ahh!!! Por isso a viúva devassa é tão linda então... - quando ouvi aquilo senti o coração explodir contra o peito.

Estavam nas minhas terras e falavam sobre mim.

- Vamos nos apressar, quero chegar antes do bispo para ver se ela vai jogar feitiço em alguém! - um terceiro chamou.

Tudo se encaixou. A população estava em comitiva até meu castelo porque a Inquisição iria até lá. A conversa continuou, eu queria me afastar logo, mas ouvir sobre Benjamin me fez esperar.

- Disseram que ela mantém o marido trancado no quarto usando a força das trevas para trazê-lo de volta a vida...

- Que nada! Ela deve manter ele para matar em algum ritual satânico, todo mundo sabe que ele era quase um padre antes dela desvirtuá-lo...

Era suficiente. Diminui o ritmo do cavalo me misturando às pessoas que estavam atrás. Em seguida, sai do caminho e galopei o mais rápido possível para o castelo.

Eu seria presa e julgada, com toda a certeza, mas precisava chegar até Benjamin antes.

Até que demorou para conseguirem me levar até o Tribunal do Santo Ofício. Com muito menos do que tinha feito, muitas outras mulheres foram condenadas.

Senti um arrepio ao pensar nas labaredas do fogo que consumia, palha, madeira e carne naquilo que chamavam de fogueira santa.

Respirei fundo e afundei aquele sentimento o mais profundo que consegui.

Eu não tinha tempo para lidar com isso. Urgia a necessidade de chegar logo e dar as medicações para ele.

Pouco depois, eu terminava de escalar a janela e me deparava com Louis e Laurie sentados ao lado de Benjamin conversando de forma discreta.

- Graças a Deus você chegou, Martine... - Laurie correu ao meu alcance - estão enlouquecendo lá fora. Tivemos que colocar esse móvel para bloquear a porta porque ameaçavam entrar a força...

- Eu sei Laurie, por isso preciso ser rápida... - avancei pelo quarto e tirei as roupas que estavam umidas. Vesti rapidamente um dos vestidos que estava no armário.- Louis, ainda sabe usar um arco?

- Sim! - me olhou confuso

- Eu também sei! - atalhou Laurie me deixando surpresa, mas não tanto, porque aquela menina me transmitira uma coragem desde o início.

- Ótimo! Ali atrás tem alguns arcos. Fiquem na janela e derrubem qualquer um que tentar subir. Vou precisar de algumas horas para salvar Benjamin e da claridade da lua.

Não responderam ou exitaram. Louis foi buscar os arcos. Deu um mais leve para Laurie e ficou com o outro. Posicionaram-se um de cada lado da janela.

A devassa e o santo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora