III

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Uma vez que você se torna um anjo-beta não pode mais voltar ao normal.—explicou Evil—Sua imortalidade lhe trará dor e sofrimento. Seus poderes só trarão responsabilidades infernais e destrutivas. Se seu tempo de vida humana se esgotar, poderás escolher alguém para te substituir, caso queira, mas morrerá instantaneamente.
Apesar dos riscos, Lana não hesitou e respondeu:
Faça-me um anjo-beta e dê o equivalente em grifos infernais para Billy.
Evil assentiu e disse:
Você será a Chave. A partir de hoje você e Billy estão interligados. Você se teletransportará para perto dele sempre que vocês ficarem mais de 50 metros longe um do outro.
Instantaneamente, os grifos infernais preencheram-me do ombro até o antebraço. Ele continuou falando sobre os poderes e como funcionaria esse sistema de dependência. Lana não é capaz de armazenar grifos infernais, como eu faço, mas pode usar os meus grifos para teletransporte, limitado a lugares em que ela ou eu já estivemos presentes. Além disso, nós compartilhávamos da mesma sensação de tato, ou seja, se eu sentisse dor, Lana também sentiria. Ela podia usar telecinésia, sem usar os grifos, e também podia atravessar materiais rígidos. O último dependeria dos meus grifos infernais e eu teria que atravessar junto. Evil explicou também que Lana podia liberar o selo parcialmente, apenas até 60% do poder total, com a máxima responsabilidade possível. Ela seria punida se liberasse o selo por qualquer motivo bobo. Por fim, Evil se despediu e retornou ao Mayhem. Depois disso, Lana nos contou sobre a origem dos celestiais. Era engraçado pensar que o Big Bang acontecera por uma briga entre irmãos e que nós tomávamos banho no suor de um celestial. Enquanto isso eu pensava em meus planos, que tiveram que mudar após todo esse alvoroço. Lana e eu nos tornamos totalmente dependentes um do outro, então ficaria em sua casa ao invés de me esconder no quarto de Clarisse.
A Lana pode ir dormir lá em casa e o Billy fica invisível quando precisar—sugeriu ela. Lana retrucou dizendo:
Os grifos infernais são gastos quando ele usa a invisibilidade. Se ele precisar dos grifos em alguma emergência, vai acabar ficando em desvantagem. Ele fica aqui em casa.
Ela tem razão—completei—a mãe dela já é mais liberal quanto a isso e sabe que eu não sou humano, então vai ser melhor.
Clarisse assentiu. Na minha cabeça tudo aquilo era muito estranho. Perder uma vida e ir se escondendo na casa de estranhos era horrível. Apenas uma coisa me consolava: o fato de eu me livrar daquela maldita fobia social. Apesar disso, tanto Lana como sua mãe me davam arrepios, o que era bem desconfortável. Eu fui pro submundo, no castelo de Evil, e vi a morte, mas nada disso me dava mais medo que a mãe da Lana. Aquela mulher era a personificação demoníaca do medo no corpo de uma bela mulher.
Então, vamos matar?—Lana disse isso com um sorriso no rosto, como se estivesse indo para um shopping. Eram oito horas da noite e eu tinha uma tarefa a cumprir, então aceitei seu convite. Peguei uma caneta esferográfica e testei, pra ver se ainda tinha tinta. Levamos Clarisse até sua casa, porque seu pai já estava irritado, e depois fomos para o centro da cidade. Fiquei invisível. Após passarmos pela praça, entramos em um beco e fomos andando lentamente. Ouvi passos, então olhei para trás, por cima do ombro. Três homens estavam vindo. Eles riam e olhavam sempre para Lana.
São estupradores em potencial—sussurrou ela—se for pra matar alguém, que sejam machos!
Lana começou a andar pouco mais rápido. Em respostas, aquele trio também aumentou o ritmo de seus passos.
Billy, quando eles se aproximarem eu vou chutar um deles. Mate primeiro o que eu chutar.
Um deles alcançou o braço de Lana e puxou dizendo:
O que você faz sozinha aqui garotinha?
Ele era alto, moreno e bombado. Seu nome era Éber. Parecia aqueles ratos de academia, que fazia musculação o tempo todo. Os outros dois se aproximaram. Um loiro, pouco maior que os outros, colocou sua mão por baixo da blusa de Lana. Peguei minha caneta. Seu nome era Arthur, faltava 23 anos pra sua morte. Reduzi seu tempo de espera. Escrevi no braço seu nome e a causa da morte: "traumatismo craniano", porque decidi dar um tratamento personalizado para ele. Olhei para o alto e vi um objeto luminoso espiralando no ar. Um demônio surgiu, pegou a escada retrátil, geralmente usada para dar acesso à janelas para limpeza, e soltou-a no chão. Aquela escada metálica caiu e atingiu Arthur na cabeça. Os outros dois olharam para o companheiro. Lana aproveitou a distração para chutar os testículos de Éber e correr. O outro, Victor, correu atrás dela. Anotei de uma vez o nome dos dois. Éber morreu de parada cardíaca. Enquanto Victor corria, ele atravessou a rua e acabou tropeçando. Um ônibus vinha em alta velocidade e não teve tempo de freiar. O corpo dele foi totalmente esmagado. Apareci perto de Lana, no outro lado da rua. Os grifos estavam pouco acima do meu cotovelo.
Está tudo bem?—perguntei. Fiz essa pergunta porque ela parecia triste, estava respirando ofegante e seus olhos não se desprendiam do chão. Lana respondeu:
Por que existem pessoas assim? Eu sei que era pra ser uma armadilha, mas... e se outra garota passasse por aqui sozinha... e se você não estivesse comigo?!
Você foi forte, fez a maior parte. Falhei em minha tarefa, me desculpe—falei—eu deveria ter matado eles antes de se aproximarem o suficiente... na próxima vez não faremos isso, está bom?
Ela pousou a cabeça em meu ombro e disse:
Você pensou rápido. Fez um ótimo trabalho!
Naquele momento eu senti na pele o que não sentia há muito tempo. Não me importava com o contato humano, pelo contrário, eu o repudiava, mas estava sendo agradável.
Você não é imune aos transtornos psicológicos—falou Lana, como se tivesse ouvido meus pensamentos—a fobia social te faz ter um medo excessivo de ser julgado ou rejeitado pelas pessoas por fazer algo errado, isso fazia você procurar se isolar e evitar contato físico. Ser imortal não te deixa invulnerável a essas dores... se você continua aqui, sem medo, significa que se sente bem, que confia em mim.
Uma lágrima rolou. Mesmo tendo acabado de conhecer Lana, sentimos na pele a conexão que tínhamos. Ela era a minha chave e conseguia entender exatamente o que eu sentia.
Billy—falou Lana após levantar-se e fitar meus olhos—alguém já disse que te ama?
Aquela pergunta repentina me trouxe um sentimento nostálgico, da primeira e única vez que estive apaixonado, e fui "correspondido". O sentimento imprevisível e insaciável fez-me amar alguém com tanto ímpeto. Eu amava aquela garota como nunca amei em toda a minha vida, e me agarrei na primeira oportunidade que tive de trazê-la pra mim. Aqueles que amam intensamente são como jovens frenéticos saltando em direção à água. Muita das vezes não enxergamos a profundidade daquele amor e mergulhamos de cabeça. A questão é que amores rasos machucam... e a ferida dói muito.
Não—respondi apesar de tudo aquilo que veio à minha mente—nunca...

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