E-II: Serena/Merascylla

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O amor... é simplesmente uma série de reações químicas que nos tornam pessoas totalmente diferentes quando nos apaixonamos. Algo que nos faz mudar, que nos atrai por completo. Meu nome era Serena. Eu era nova naquele colégio totalmente estranho e diferente comparado ao que eu vivenciava na Itália. Naquele lugar era cada um por si, como um enorme battle royale intelectual. Aquele que tivesse as maiores notas entraria em uma das melhores universidades. Vinte alunos, todos empenhados e competindo, exceto um garoto... apenas um deles em especial demonstrava total desinteresse. Segundo ele, entrar numa faculdade por indicação escolar não seria mérito nenhum, por isso seu objetivo era o vestibular. Pessoas indicadas pela escola não precisavam fazer o vestibular, já eram cadastrados na bolsa.
Ter notas boas é obrigação do aluno, independente do objetivo—ele dizia—a decisão de estudar apenas para a escola é conceito de preguiçosos.
Seu nome era Billy. Ele não era alto, nem muito baixo. Tinha cabelos castanhos e olhos escuros. Na maioria das vezes Billy ficava sozinho no canto. Em algumas atividades ele tentava se aproximar, mas sempre passava mal. Seu caso era fobia social. Eu tentava me aproximar dele, mas Billy sempre me tratava com certa aspereza. Não ousava culpá-lo, seu medo de surtar em meio à aproximações afetivas era evidente, e isso me fazia sentir pena. Billy não tinha amigos, nunca beijara uma garota, nem nunca havia abraçado seu próprio pai. Alguns diziam que ele poderia ser autista, por causa desse "medo" do toque humano, mas eu não sabia em que acreditar. Certo dia, em meio à semana de provas, Billy largou sua caneta e saiu correndo da sala, aos prantos. Também abandonei a prova e fui ver o que ele tinha.
Está tudo bem?—perguntei enquanto me aproximava lentamente. Ele enxugou as lágrimas em seu rosto e disse:
É engraçado a forma como os novatos tentam se enturmar com o primeiro idiota que aparece. Não se preocupe comigo, eu vou ficar bem e você logo vai encontrar alguém melhor pra conversar.
Me sentei ao lado dele, na arquibancada, e respondi:
Se isolar não vai te ajudar em nada. Perdi a prova pra ver se você está bem, acha mesmo que outro novato faria isso?
Nas provas era obrigatório ficar três horas na sala de aula. Aquele que saísse antes do tempo, terminando a prova ou não, tinha o valor reduzido a zero. Eu sabia que aquilo iria me prejudicar, mas... ele precisava de mim. Quando se tem fobia social, tudo que a pessoa precisa é de um porto seguro. O medo de ser julgado pela sociedade o fazia temer qualquer contato, e eu queria mostrar pra ele que eu não estava ali pra julgá-lo, pra corrigí-lo, muito menos para machucá-lo. Tudo o que eu queria era ser uma cura... a proteção que ele precisava. lentamente fui me aproximando mais de Billy. Por fim o abracei e sussurrei em seu ouvido:
Vai ficar tudo bem... eu vou te ajudar.
E todos os dias eu era a única companhia de Billy. Não foi fácil. Se relacionar com pessoas assim requer paciência e muita dedicação. O princípio dessa relação era a responsabilidade afetiva. Eu sabia que era um caminho sem volta. Se você entrou na vida de uma pessoa e se tornou alguém importante para ela, deve ter em mente que jamais poderá abandoná-la. Tal ação provocaria sequelas irreversíveis. Um mês se passou e eu estava totalmente apaixonada por aquele garoto. Começamos a namorar. Billy não falava muito, então na maioria do tempo eu estava falando sozinha ou calada apreciando seu silêncio absoluto. Certo dia fomos nos despedir após um dia de aula. Beijei-o e disse:
Eu te amo.
Ele sorriu, mas não falou uma palavra. Lentamente Billy aproximou sua testa da minha, até que ambas se encostaram. Seguimos em direções opostas. Dizer "eu te amo" não era do feitio dele. Apenas aquele simples gesto significava que ele estava próximo de mim, e eu já compreendia tudo. O sol ia se pondo e eu caminhava para minha casa. Repentinamente, um brilho verde intenso acendeu com fulgor em um barranco à beira da rua. Cheia de curiosidade, desci o barranco com cuidado, indo na direção do brilho. Quando cheguei embaixo havia uma cratera, com uma esmeralda no centro. Uma pedra verde cintilava entre o barro. Aquele brilho me atraía, igual a um gato quando vê o ponto luminoso do laser. Segurei a esmeralda e acabei soltando-a instintivamente, porque sentira algo entrando dentro de mim, e aquilo me deixara assustada. Era como se algo naquela pedra quisesse sair e invadir meu corpo. O que diabos poderia ser aquilo? Peguei o moletom que Billy me emprestara na noite anterior e envolvi a esmeralda nele. Guardei-a na mochila e fui para minha casa.

Me deitei para dormir, logo depois que jantei. Fechei a janela do meu quarto e me deitei na cama. Estava prestes a pegar no sono quando uma forte luz esverdeada me incomodou. Era como se milhões de vagalumes se aglomerassem no meu quarto. Abri os olhos e vi uma figura sem rosto, frontalmente nua, com um corpo cujo formato se assemelhava às curvas femininas. Eu me arrepiava totalmente.
Eu sou a semente da nova geração celestial—disse uma voz suave—e quero usar seu corpo... seja minha celestial... Merascylla!
Tentei levantar da cama, mas minhas pernas não correspondiam aos meus pensamentos. Eu nem sabia o que fazer, nem entendia o que estava se passando, mas da minha boca saiu palavras:
Eu aceito.
E instantaneamente uma nuvem verde entrou em mim através da minha boca e narina, até que todo o brilho desapareceu, junto com aquela figura. Me deitei e dormi.

Acordei no dia seguinte, pensando que tudo era um sonho, mas algo de estranho acontecera com meu corpo. Eu havia emagrecido um pouco e criado um físico mais atlético. Meus cabelos eram castanhos e se converteram totalmente em um ruivo intenso.
Quando você pintou seu cabelo Serena?—perguntou minha mãe. Dei de ombros.

Era um sábado, quando comemorávamos um ano de namoro. Eu combinara com o Billy para irmos ao shopping comprar nossas alianças. Ele segurou minha mão e me conduziu. Pela primeira vez nesse tempo em que estávamos juntos, Billy havia tomado a iniciativa. Naquele dia ele estava alegre, mais carinhoso e proativo. Compramos roupas e depois escolhemos as alianças. Eu era amante da arte como pintura, e Billy sabia disso. Ele pegou na loja uma aliança em prata com desenho da Noite Estrelada de Van Gogh. Meus olhos brilharam. Billy a colocou em meu dedo e disse:
Eu escolhi essa aliança pra você sempre se lembrar que, assim como Vicent Van Gogh viu o sol nascer em toda a sua glória, nós vimos nosso amor florescer naquela noite estrelada...
Aquilo me lembrou de quando eu o pedi em namoro. Eram aproximadamente quatro horas da madrugada, enquanto aguardávamos uma chuva de meteoros. Nos sentamos em cima do telhado da casa dele. Ele notou que eu estava com frio, então me emprestou seu moletom e me envolveu em seus braços. Naquele momento eu sussurrei em seu ouvido:
Billy, você aceita me namorar?
E foi naquela madrugada que o "sim" mudou completamente nossas vidas. Não pudemos ver a chuva de meteoros, porque ela só era visível no hemisfério norte, mas ficamos juntos olhando o nascer do sol. Depois que compramos a aliança, sentamos na praça de alimentação e comemos juntos. Billy me abraçou e disse:
Desculpe por ser tão difícil de lidar... às vezes eu penso que não estou te dando carinho suficiente, mas eu estou tentando mudar isso e...
Segurei sua mão. Ele estava ficando vermelho e seu rostinho estava tão fofo.
Eu agora me entrego por inteiro, Serena—Billy continuou—seremos nós dois e mais ninguém. Eu só te peço que nunca me abandone...
Sua testa tocou a minha. Esse era o velho "eu te amo" não verbalizado. O que me surpreendeu foi seu sussurro dizendo:
Serena, eu te amo.
Foi definitivamente o momento mais feliz que eu tive ao lado de Billy.

No dia seguinte, eu voltava da casa de Billy, mais ou menos às cinco horas da tarde. Estava cansada, então andava vagarosamente. De súbito, quatro gigantes caíram do céu, literalmente. Um deles, vestido com uma armadura medieval e com um manto vermelho e branco cobrindo seu rosto, se aproximou, abaixou-se olhando nos meus olhos e disse:
Merascylla, viemos te buscar. Retornemos ao Pilar da Criação, onde aprenderá novamente a ser uma celestial.
Sem conseguir dizer nada, fui levada por aqueles gigantes. O pior de tudo é que eu nem sequer pude me despedir do Billy... eu só desejava poder vê-lo novamente e explicar que eu jamais o abandonaria, mas... nunca saberia a hora de voltar.

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