O Caso do Senhor Valdemar (1845)

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The Facts in the Case of M. Valdemar
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É lógico que o extraordinário caso do senhor Valdemar provocasse discussões. Seria milagre que não sucedesse assim, sobretudo em tais circunstâncias. O desejo dos interessados em manter o assunto secreto, pelo menos por agora, e esperar a oportunidade de uma nova investigação, e os nossos esforços para o conseguir, deram lugar a uma versão incompleta e exagerada, que, ao tornar-se pública, se apresentou com características desagradavelmente falsas e foi causa de grande descrédito.

É necessário, em vista disso, que eu revele os fatos, como os conheço e compreendo, com toda a lealdade.

Várias vezes, e em ocasiões diversas, a minha atenção foi atraída, nestes últimos anos, pelo magnetismo animal. Há aproximadamente nove meses fui assaltado pela ideia súbita de que, na série de experiências feitas até agora, havia uma considerável e inexplicável lacuna: ninguém tinha sido ainda hipnotizado in articulo mortis.

Faltava saber, naturalmente, se, em semelhante estado, existia no paciente uma recetividade propícia ao influxo magnético; e se ela era aumentada ou diminuída por essa circunstância especial. Em terceiro lugar, era necessário saber até que ponto a ação da morte poderia ser detida por essa operação.

Havia mais pontos a esclarecer, mas não me interessavam tanto como estes três, sobretudo o último, por causa da importância excecional das suas consequências.

Procurando em volta de mim o paciente que me esclarecesse estes pontos, fixei os olhos no meu amigo Ernesto Valdemar, o compilador bem conhecido da "Biblioteca Forense" e autor (sob o pseudónimo de Issachar Marx) das traduções polacas do "Wallesten" e de "Gargântua" .

O senhor Valdemar, que residia habitualmente em Harlem (Nova Iorque) desde 1839, distinguia-se principalmente pela sua excessiva magreza e também pela brancura das suas suíças, que formavam um contraste tão estranho com a sua cabeleira negra que muita gente supunha que ele usava capachinho. O seu temperamento era singularmente nervoso e, portanto, excelente para as experiências hipnóticas. Em duas ou três ocasiões consegui adormecê-lo sem grande dificuldade, mas fiquei desanimado acerca de outros resultados, que a sua constituição particular me autorizava a esperar. A sua vontade não ficava nunca totalmente submetida à minha influência, e no que se refere a clarividência nunca pude obter nenhum resultado definitivo. Atribuo tais fatos ao seu mau estado de saúde. Poucos meses antes de o conhecer, os médicos diagnosticaram-lhe uma tuberculose claramente definida, e tinha o costume de falar do seu próximo fim como um fato que não podia ser evitado nem lamentado.

Ninguém serviria melhor que o senhor Valdemar para a minha experiência. Conhecia demasiado a sua sólida resignação filosófica para ter qualquer escrúpulo a seu respeito, e, além disso, ele não tinha parentes na América que pudessem opor-se aos meus desejos. Posto isto, falei-lhe francamente, e, com grande surpresa minha, pareceu interessar-se muito pelo caso. Digo com grande surpresa porque, embora sempre se tivesse prestado amavelmente a toda a espécie de experiências, nunca me pareceu que as olhasse com grande simpatia.

A sua doença era das que permitem um cálculo exato sobre a data do desenlace. Combinamos, portanto, que, vinte e quatro horas antes do prazo fixado pelos médicos para a sua morte, ele me avisaria.

Há aproximadamente sete meses que recebi do senhor Valdemar a seguinte carta:

Meu querido Poe:

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