O Poder da Palavra (1845)

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The Power of Words
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Oinos — Perdoa, Agathos, a fraqueza de um espírito revestido ainda há pouco da imortalidade.

Agathos — Não tenho nada que te perdoar, meu caro Oinos. O conhecimento não é instintivo, nem mesmo aqui. Quanto ao saber, pede-o aos anjos com confiança!

Oinos — Mas na existência passada imaginava eu que o conhecimento de todos os objetos me viria de uma só vez e, com ele, a felicidade absoluta.

Agathos — Ah! não é na ciência que está a felicidade, mas sim na aquisição da ciência! Saber para sempre é a beatitude eterna: mas saber tudo seria uma condenação de demônio!

Oinos — Mas visto que os nossos conhecimentos aumentam a cada minuto, não é inevitável que cheguemos por fim a conhecer tudo?

Agathos — Contempla o abismo imenso do Universo. Deixa cansarem-se-te os olhos a penetrar as inumeráveis perspetivas de estrelas, através das quais deslizamos serenamente e sem fim! Não sentes estacar a própria visão espiritual ante as áureas muralhas circulares dos céus, muralhas feitas de miríades de corpos brilhantes que se fundem numa unidade incomensurável?

Oinos — Concebo agora claramente que o infinito da matéria não é um sonho.

Agathos — Não há sonhos no céu, mas revela-se-nos aqui que o único objeto do infinito da matéria é criar fontes infinitas onde a alma possa saciar esta sede de conhecer que lhe é ingênita e que ela não poderia extinguir sem se aniquilar a si própria. Interroga-me pois, meu Oinos, com liberdade e sem receio. Vem! Deixaremos à esquerda o grupo brilhante das Plêiades e iremos pousar lá ao longe, nas planícies estreitadas, para além de Órion, onde acharemos, em vez de amores perfeitos, violetas e jáceas selvagens, vastas regiões de sóis triplos e de sóis tricolores.

Oinos — E agora, Agathos, enquanto adejamos através do espaço, instrui-me. Mas fala-me a linguagem familiar da terra. Ainda agora não compreendi bem o que me davas a entender sobre os modos e os processos da criação; isto é, do que chamávamos criação no tempo em que éramos mortais. Queres dizer que o Criador não é Deus?

Agathos — Quero dizer que a Divindade não cria coisa alguma.

Oinos — Explica-te.

Agathos — A Divindade não criou senão ao princípio. As criaturas que emergem agora infatigavelmente à existência, por todo o Universo, podem apenas ser consideradas como resultados imediatos ou indiretos, e nunca como diretos ou imediatos do Divino Poder Criador.

Oinos — Essa ideia, meu Agathos, teria sido considerada entre os homens como o último grau da heresia.

Agathos — Entre os anjos, meu Oinos, é simplesmente admitida como uma verdade.

Oinos — A minha razão compreende-te, mas só com relação a certas operações do ser a que chamamos Natureza, ou leis naturais, produzindo, em determinadas condições, objetos que têm a perfeita aparência da criação. Recorda-me que, pouco tempo antes da destruição final da terra, fizeram-se, com o melhor êxito, um grande número de experiências que alguns filósofos designaram, enfaticamente, sob o nome de criação de animálculos.

Agathos — Esses casos não eram senão exemplos de criação secundária, da única espécie de criação que não se tornou mais a efetuar desde que a primeira palavra proferiu a primeira lei.

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