O Poço e o Pêndulo (1842-43)

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(THE PIT AND THE PENDULUM)
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Impia tortorum longas hic turba furores
Sanguinis innocui, non satiata, aluit,
Sospite nuic patria, fracto nunc funeris antro,
Mors ubi dira fuit vita salusque patent.

(Quadra composta para os portões de um mercado a ser levantado no lugar do Clube dos Jacobinos, em Paris)

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Eu estava extenuado, extenuado até a morte, por aquela longa agonia. E quando eles, afinal, me desacorrentaram e me foi permitido sentar, senti que ia perdendo os sentidos. A sentença, a terrÍvel sentença de morte, foi a última frase distintamente acentuada que me chegou aos ouvidos. Depois disto, o som das vozes dos inquisidores pareceu mergulhar num zumbido fantástico e vago. Trazia-me a alma a ideia de rotação, talvez por se associar, na imaginação, com a mó de uma roda de moinho. Mas isto durou apenas pouco tempo, pois logo nada mais ouvi. Contudo, durante algum tempo, eu via... porém com que terrível exagero! Eu via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me brancos, mais brancos do que as folhas de papel sobre as quais estou traçando estas palavras, e grotescamente delgados; mais adelgaçados ainda pela intensidade de sua expressão de firmeza, de imutável resolução, de desprezo pela dor humana. Eu via os decretos do que, para mim, representava o Destino saírem ainda daqueles lábios. Via-os torcerem-se, com uma frase letal. Via-os articularem as sílabas do meu nome, e estremecia por não ouvir nenhum som em seguida.

Via, também, durante alguns minutos de delirante horror, a ondulação leve e quase imperceptível dos panejamentos negros que cobriam as paredes da sala. E, depois, meu olhar caiu sobre as sete grandes tochas em cima da mesa. A princípio, elas tomaram o aspecto da Caridade e pareciam anjos brancos e esbeltos que me deviam salvar; mas depois, repentinamente, inundou-me o espírito uma náusea mais mortal e senti todas as fibras de meu corpo vibrarem como se eu tivesse tocado o fio de uma pilha galvânica, enquanto os vultos angélicos se tornavam espectros insignificantes como cabeças de chama, e via bem que deles não teria socorro. E, então, introduziu-se-me na imaginação, como rica nota musical, a do tranquilo repouso que deveria haver na sepultura. Essa ideia chegou doce e furtivamente, e parece ter-se passado muito tempo até que pudesse ser completamente percebida. Mas, no momento mesmo em que o meu espírito começava. enfim, a sentir propriamente e a acarinhar essa ideia, os vultos dos juízes desapareceram, como por mágica, de minha frente; as altas tochas se foram reduzindo a nada; suas chamas se extinguiram por completo; o negror das trevas sobreveio. Todas as sensações pareceram dar um louco e precipitado mergulho, como se a alma se afundasse no Hades. E o universo não foi mais do que noite, silêncio e imobilidade.

Eu tinha desmaiado. No entanto, não direi que havia perdido por completo a consciência. Não tentarei definir o que dela ainda permanecia, nem mesmo procurarei descrevê-lo. Todavia, nem tudo estava perdido. No sono mais profundo... não! No meio do delírio... não!. No desmaio... não! Na morte... não! Nem mesmo no túmulo tudo está perdido! De outra forma, não haveria imortalidade para o homem. Ao despertar do mais profundo sono, quebramos a teia delgada de algum sonho. Entretanto, um segundo depois, por mais fraca que tenha sido essa teia, não nos lembramos de ter sonhado. No voltar de um desmaio à vida, há duas fases: a primeira é o sentimento da existência mental ou espiritual; a segunda é o sentimento da existência física. Parece provável que, se, ao atingir a segunda fase, pudéssemos evocar as impressões da primeira, poderíamos encontrá-las ricas em recordações do abismo transposto. E esse abismo... que é? Como, pelo menos, distinguiremos suas sombras das sombras do túmulo?

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