Uma Descida ao Maelstrom (1841)

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A Descent into the Maelstrom ═════⊱◈◈◈⊰═════

Tínhamos atingido o cume do rochedo mais elevado. O velho, durante alguns minutos, pareceu-me demasiado esgotado para falar.

— Não há ainda muito tempo — disse ele por fim — tê-lo-ia guiado por aqui tão bem como o mais novo dos meus filhos. Mas, há três anos, aconteceu-me a aventura mais extraordinária que jamais suportou um ser mortal, ou pelo menos tão extraordinária que homem algum pôde sobreviver a ela para a contar, e as seis horas desesperantes que passei despedaçaram-me o corpo e a alma. Julgam-me muito velho, mas não o sou. Bastou um quarto de dia para me embranquecer os cabelos negros, ao ponto de tremer depois do mais pequeno esforço e ficar amedrontado por uma sombra. Saiba que mal posso olhar de cima deste pequeno promontório sem sentir vertigens.

O pequeno promontório à beira do qual se deitara tão negligentemente para repousar, de maneira que a parte mais pesada do seu corpo se inclinava e não estava livre de cair senão pelo ponto de apoio que tinha graças ao cotovelo na aresta aguda e escorregadia — o promontório, elevava-se aproximadamente a mil e quinhentos ou mil e seiscentos pés de um caos de rochedos abaixo de nós, imenso precipício de granito luzidio e negro. Por nada do mundo me teria aventurado a seis pés da borda. Na verdade, eu estava tão profundamente agitado pela situação perigosa do meu companheiro que me deixei cair a todo o comprimento no solo, encostando-me a alguns arbustos que estavam perto, não ousando sequer levantar os olhos para o céu. Esforçava-me em vão por me desembaraçar da ideia de que o furor do vento punha em perigo a própria base da montanha. Foi-me preciso tempo para raciocinar e encontrar a coragem de me sentar no meu banco e perscrutar o espaço.

— Não há de que ter medo — disse-me o guia — porque o trouxe aqui para lhe fazer ver à vontade o local do acontecimento de que lhe falava há pouco e lhe contar toda a história com o próprio cenário à sua frente.

"Nós estamos agora — prosseguiu com essa maneira minuciosa que o caracterizava — estamos agora mesmo na costa da Noruega, a 68 graus de latitude, na grande província de Nortland e no lúgubre distrito de Lofoden. A montanha cujo cume ocupamos chama-se Helseggen, a Nebulosa. Agora, levante-se um pouco; agarre-se aos arbustos se sentir vir a vertigem — isso mesmo — e olhe para além desta cintura de vapores que esconde o mar a nossos pés."

Olhei apressadamente e vi uma vasta extensão de mar cuja cor de tinta me recordou imediatamente o quadro do geógrafo núbio e o seu "Mar Tenebroso" . Era um panorama mais espantosamente desolador do que o que seria dado a uma imaginação humana conceber. A direita e à esquerda, tão longe quanto a vista podia alcançar, alongavam-se, como as muralhas do mundo, as linhas de uma falésia terrivelmente negra e escarpada, cujo caráter sombrio era poderosamente reforçado pela ressaca que subia até à crista branca e lúgubre, uivando e mugindo eternamente. Mesmo em frente do promontório, no cume do qual nós estávamos colocados, a uma distância de seis milhas no mar, avistava-se uma ilha que parecia deserta, ou antes, adivinhava-se no amontoado enorme de escolhos em que estava envolvida. A duas milhas aproximadamente mais perto da terra, erguia-se um ilhéu mais pequeno, horrivelmente pedregoso e estéril, rodeado por grupos descontínuos de rochas negras.

O aspeto do oceano, na extensão compreendida entre a margem e a ilha mais afastada, tinha qualquer coisa de extraordinário. Nesse momento soprava do lado da terra uma brisa tão forte que um brigue, muito ao largo, estava à capa com as velas nos rizes e o seu casco desaparecia algumas vezes por completo. Contudo, nada havia que se assemelhasse a uma onda regular, mas somente, e a despeito do vento, a um marulhar de água, vivo e incômodo em todos os sentidos, e muito pouca espuma, exceto na vizinhança imediata dos rochedos.

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