Pequena Discussão com uma Múmia (1845)

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Some Words with a Mummy
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O simpósio da noite precedente tinha-me estafado os nervos. Doía-me horrorosamente a cabeça, e eu caía de sono. Em lugar de passar a noite fora, como fazia tenção, pensei que era melhor jantar e meter-me imediatamente na cama.

Um jantar ligeiro, já se vê. Adoro os assados temperados com queijo, mas comer mais de uma libra de carne, à noite sobretudo, não é prudente. Todavia até ao número dois não pôde haver objeção material e, na realidade, entre dois e três não há senão a diferença de uma unidade. Aventurei-me talvez até quatro; minha mulher diz que foram cinco, mas evidentemente foi confusão de duas coisas bem distintas. O número abstrato cinco, estou disposto a admiti-lo; quanto ao concreto, só referindo-se às garrafas de Brown Stout, sem cujo adubo os assados com queijo são difíceis de digerir.

Acabada aquela refeição frugal, pus o meu barrete de dormir com a esperança serena de o gozar até ao dia seguinte ao meio dia, pelo menos; deitei a cabeça no travesseiro e, graças à tranquilidade de uma consciência irrepreensível, peguei imediatamente no sono.

Mas o homem põe e Deus dispõe.

Ainda não tinha entrado no meu primeiro sono quando uma furiosa campainhada retumbou à porta da rua, seguida de argoladas impacientes que me acordaram em sobressalto. Um minuto depois, minha mulher metia-me pelos olhos um bilhete do meu velho amigo, o doutor Ponnonner, que me dizia:

"Largai tudo, meu caro amigo, e vinde a minha casa logo que tiverdes recebido esta. Vinde partilhar a nossa alegria. Enfim, graças a uma teimosa diplomacia, arranquei aos diretores do City Museum o consentimento para o exame da múmia (sabeis de que múmia quero falar). Tenho licença de a desenfaixar; de a abrir, até, se o julgar conveniente. Só assistirão meia dúzia de amigos; escusado é dizer que entrais no número. A múmia está já em minha casa. Começaremos a desembrulhá-la às onze horas da noite.

Vosso,

Ponnonner"

Antes de chegar à assinatura, já o sono se me tinha ido embora. Saltei da cama num estado de verdadeiro delírio, empurrando tudo o que me caía debaixo das mãos; vesti-me com uma ligeireza milagrosa e dirigi-me sem mais demora a casa do doutor.

Aí achei reunida uma sociedade muito animada. Esperavam-me com grande impaciência para começar o exame da múmia, a qual estava já estendida sobre a mesa da casa de jantar.

Era uma das duas múmias que o capitão Arthur Sabretash, primo de Ponnonner, trouxera há alguns anos do túmulo de Eleitias, nas montanhas da Líbia, um pouco acima de Tebas, nas margens do Nilo. Naquele sítio, os túmulos, posto que menos ricos do que as sepulturas de Tebas, são muito mais interessantes, pelo que encerram maior número de personagens ilustres do mundo egípcio. A sala de onde havia sido tirado o nosso espécime passava por muito rica em documentos daquela natureza; as paredes eram completamente cobertas de pinturas a fresco e baixos relevos; numerosas estátuas, vasos e um mosaico de um desenho magnífico testemunhavam a enorme fortuna dos defuntos.

Aquela raridade havia sido depositada no Museum exatamente no mesmo estado em que o capitão Sabretash a encontrara; quer dizer que o caixão estava ainda intacto.

Durante oito anos ficara assim exposta à curiosidade pública só pelo lado exterior. Tínhamos pois a múmia completa. Quem sabe quão raro é ver chegar aos nossos países essas antiguidades preciosas avaliará se tínhamos ou não razão de nos felicitar.

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