Uma história das Ragged Mountains (1844)

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A Tale of the Ragged Mountains
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Durante os fins do ano de 1827, quando residia nas proximidades de Charlottesville (Virgínia), conheci casualmente o sr. Augusto Bedloe. Esse jovem cavalheiro era notável, a todos os respeitos, e provocava-me profundo interesse e curiosidade. Achei impossível compreender-lhe os modos, tanto físicos como morais. Sobre sua família não pude obter informação satisfatória. Donde vinha ele, nunca pude verificar. Mesmo acerca de sua idade — embora o considere um jovem cavalheiro — havia algo que me deixava perplexo, em não pequeno grau. Ele, certamente, parecia jovem e fazia questão de falar sobre sua juventude; mas havia momentos em que pouco me custaria imaginar que ele tinha um século de idade. De modo algum, porém, era ele mais singular do que na aparência pessoal. Era estranhamente alto e magro. Muito curvado. Tinha os membros excessivamente longos e descarnados. A testa era ampla e baixa. A tez inteiramente exangue. A boca era grande e flexível e seus dentes, embora sãos, mais amplamente irregulares do que eu já vira em qualquer dentadura humana. A expressão de seu sorriso, contudo, de modo algum desagradava, como se poderia supor; mas não tinha qualquer variação. Era sempre de profunda melancolia, de uma tristeza incessante e sem fases. Seus olhos eram anormalmente grandes e redondos como os de um gato. As pupilas, além disso, depois de qualquer acréscimo ou diminuição da luz, contraíam-se ou dilatavam-se, tal como se observa na raça felina. Em momentos de excitação, tornavam-se elas brilhantes, em um grau quase inconcebível; pareciam emitir raios luminosos, não de um clarão refletido, mas próprio, como o de uma vela ou o do sol; e, entretanto, sua aparência comum era tão inteiramente abúlica, velada e nebulosa, que dava a ideia dos olhos de um cadáver há muito enterrado.

Tais particularidades pessoais pareciam causar-lhe muito aborrecimento e ele continuamente aludia a elas, numa espécie de estilo, entre a explicação e a desculpa, o qual, quando o ouvi pela primeira vez, me impressionou muito dolorosamente. Logo, contudo, acostumei-me a ele e meu constrangimento desapareceu. Parecia ser sua intenção insinuar, mais do que afirmar de modo direto, que, fisicamente, ele nem sempre fora o que era então, que uma longa série de ataques nevrálgicos tinham-no reduzido de uma condição de beleza pessoal, mais do que comum, àquela que eu via. Há muitos anos vinha sendo ele tratado por um médico chamado Templeton, um velho de talvez setenta anos de idade, a quem ele encontrara pela primeira vez em Saratoga e de cujos cuidados, enquanto ali estivera, havia recebido, ou imaginava que havia recebido, grande benefício. O resultado foi que Bedloe, que era rico, fizera um contrato com o dr. Templeton, por meio do qual este último, em virtude de fartos honorários anuais, tinha consentido em dedicar seu tempo e sua experiência médica exclusivamente ao cuidado do inválido.

Na sua mocidade, o dr. Templeton viajara bastante e em Paris se havia convertido num grande seguidor das doutrinas de Mesmer. Foi inteiramente graças a remédios magnéticos que conseguira aliviar as agudas dores de seu paciente e esse êxito tinha, mui naturalmente, inspirado a Bedloe certo grau de confiança nas opiniões que preconizavam esses remédios. O doutor, porém, como todos os entusiastas, se esforçara fortemente para converter por completo o seu paciente. E afinal teve tanto êxito que induziu o doente a submeter-se a numerosas experiências. Em consequência de uma frequente repetição destas sobrevieram resultados que nos últimos dias se tornaram tão comuns a ponto de atrair pouca ou nenhuma atenção, mas que, no período a respeito do qual escrevo, eram raramente conhecidos na América. Quero dizer que entre o dr. Templeton e Bedloe tinha se gerado, pouco a pouco, uma afinidade ou relação magnética bastante distinta e fortemente acentuada. Não estou, porém, preparado para asseverar que essa afinidade se estendesse além dos limites do simples poder de produzir o sono, mas esse mesmo poder havia atingido grande intensidade. À primeira tentativa de provocar a sonolência magnética, o magnetizador fora inteiramente malsucedido. Na quinta ou sexta, conseguiu-o diminutamente e depois de demoradíssimo esforço. Somente na décima segunda o êxito foi completo. Depois disso, a vontade do paciente submeteu-se rapidamente à do médico. De modo que, quando conheci os dois, pela primeira vez, o sono era provocado quase que instantaneamente pela simples vontade do operador, mesmo quando o inválido não estava cônscio da presença daquele. E somente agora, no ano de 1845, quando milagres semelhantes são testemunhados por milhares de pessoas, é que ouso aventurar-me a lembrar essa aparente impossibilidade como uma questão de fato séria.

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