O Sistema do Doutor Breu e do Professor Pena (1845)

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The System of Doctor Tarr and Professor Fether
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Durante o outono de 18..., quando visitava as províncias do extremo sul da França, o meu caminho conduziu-me a algumas milhas de uma certa casa de saúde, ou hospício particular de doidos, de que ouvira falar muito em Paris a médicos meus amigos.

Como nunca visitara um lugar desta espécie, julguei boa a ocasião para o fazer e propus ao meu companheiro de viagem (um gentleman a quem fora apresentado, por acaso, dias antes) que nos desviássemos do nosso caminho durante uma hora aproximadamente e examinássemos o estabelecimento. Mas ele recusou-se, dizendo-se primeiro muito apressado e alegando em seguida o horror que lhe inspirava em geral a presença de um alienado. Pediu-me, no entanto, para não sacrificar, por cortesia para com ele, a satisfação da minha curiosidade, e disse-me que continuaria a cavalgar muito vagarosamente, de maneira a poder alcançá-lo nesse dia ou, quando muito, no dia seguinte. Quando me despedia, veio-me a ideia de que teria talvez dificuldade em penetrar no lugar em questão e participei-lhe os meus receios sobre esse assunto. Respondeu-me que, com efeito, a menos que conhecesse pessoalmente o senhor Maillard, o diretor, visto que não possuía qualquer carta de apresentação, poderia surgir alguma dificuldade, porque os regulamentos destas casas particulares de doidos eram muito mais rigorosos do que os dos hospícios públicos. Quanto a ele, prosseguiu, travara alguns anos antes conhecimento com Maillard, e podia prestar-me o favor de me acompanhar até à porta e de me apresentar. No entanto, a sua relutância relativa à loucura não lhe permitia entrar no hospício.

Agradeci-lhe e, desviando-nos da estrada principal, entramos num caminho secundário que, ao fim de uma meia hora, se perdia num bosque espesso que cobria a base de uma montanha.

Percorremos cerca de duas milhas através desse bosque húmido e escuro e, por fim, apareceu-nos a casa de saúde. Era um fantástico castelo, muito arruinado, e a julgar pela sua aparência de vetustez e abandono, devia estar dificilmente habitável.

O seu aspeto inspirou-me verdadeiro terror e, ao parar o meu cavalo, senti quase o desejo de voltar atrás. No entanto, imediatamente me envergonhei da minha fraqueza e continuei.

Quando nos dirigíamos para a grande porta, verifiquei que estava entreaberta e vi a figura de um homem que olhava de lado. Este homem avançou para o meu companheiro chamando-o pelo seu nome, apertou-lhe cordialmente a mão e pediu-lhe para descer do cavalo. Era o senhor Maillard, em pessoa, um verdadeiro gentleman de velha escola; rosto atraente, nobre presença, maneiras delicadas e um certo ar de gravidade, de dignidade e de autoridade que produzia uma forte impressão. O meu amigo apresentou-mo e explicou o meu desejo de visitar o estabelecimento. O senhor Maillard prometeu-lhe que teria comigo todas as atenções possíveis, ele despediu-se de nós e não o tornei a ver desde então.

Quando se foi embora, o diretor levou-me para um pequeno locutório excessivamente cuidado, que tinha entre outros indícios de gosto requintado, grande quantidade de livros, desenhos, jarras com flores e instrumentos musicais. Um bom lume crepitava alegremente na lareira Ao piano, cantando uma ária de Bellini, estava sentada uma mulher jovem e muito bela, que à minha chegada parou de tocar e me recebeu com uma graciosa vénia. Falava em voz baixa e havia em todos os seus modos qualquer coisa de mortificado. Julguei ver também vestígios de desgosto na sua face, e a sua palidez excessiva não lhe diminuía o encanto. Andava de luto pesado, e despertou no meu coração um sentimento misto de respeito, interesse e admiração!

Eu ouvira dizer em Paris que o estabelecimento do senhor Maillard estava organizado segundo o que se chama vulgarmente o "sistema da bondade" , pois evitavam ali o uso de todos os castigos; não se recorria sequer à reclusão, senão muito raramente; os doentes, vigiados secretamente, gozavam, aparentemente, de uma grande liberdade e podiam, na maior parte, circular através da casa e dos jardins com um trajo igual ao das pessoas que estão no uso da razão.

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