Desde o berço até ao túmulo, o meu amigo Ellison foi sempre embalado por uma brisa de prosperidade. E neste caso não emprego a palavra prosperidade no sentido puramente mundano, mas sim como sinónimo de felicidade. A pessoa de que falo parecia ter sido criada para simbolizar as doutrinas de Turgot, de Price, de Priestley e de Condorcet; para fornecer um exemplo individual do que se denominou a quimera dos perfeccionistas.A curta existência de Ellison é uma refutação do dogma que pretende que na própria natureza do homem jaz um princípio misterioso inimigo da felicidade. Um exame minucioso da sua carreira fez-me compreender que a miséria da espécie humana nasce, em geral, da violação de algumas leis simples da humanidade; que temos em nosso poder elementos de contentamento ainda não empregados e que, mesmo agora, nas trevas presentes e no estado delirante do pensamento humano sobre a grande questão das posições sociais, não seria impossível que o homem, como indivíduo, pudesse ser feliz em certas circunstâncias insólitas e notavelmente fortuitas.
O meu jovem amigo estava também intimamente compenetrado das mesmas opiniões; não é inútil observar que a felicidade contínua, que caracterizou toda a sua vida, foi em grande parte o resultado de um sistema concebido.
É evidente que, sem esta filosofia instintiva que em muitos casos substitui a experiência, M. Ellison ter-se-ia visto precipitado, pelo extraordinaríssimo sucesso da sua vida, no turbilhão comum de desgraça que se abre diante de todos os homens maravilhosamente dotados pela sorte. Mas o meu fim não é de modo algum escrever um tratado sobre a felicidade. As ideias do meu amigo podem resumir-se em algumas palavras.
Ele não admitia senão quatro princípios ou, mais estritamente, quatro condições elementares de felicidade. A principal era a simples condição, puramente física, do exercício ao ar livre. "A saúde — dizia ele — que se pode obter por outros meios quase não é digna desse nome." Ele citava as voluptuosidades do caçador de raposas e designava os cultivadores da terra como as únicas pessoas que podiam ser seriamente consideradas como mais felizes do que as outras. A segunda condição era o amor da mulher. A terceira, a mais difícil de realizar, era o desprezo de todas as ambições. A quarta era o objeto de uma pretensão incessante; e afirmava que, as outras coisas sendo iguais, a extensão da felicidade que se pode atingir estava na proporção da espiritualidade deste quarto objeto.
Ellison foi um homem notável pela profusão contínua com que a fortuna o sobrecarregou de seus dons. Em graça e beleza pessoal não havia homem que se lhe comparasse. A sua inteligência era tal que, para ele, a aquisição dos conhecimentos era menos um trabalho do que uma intuição e uma necessidade. Pertencia a uma das famílias mais ilustres do estado e tinha por esposa a mais deliciosa e a mais dedicada das mulheres. A sua fortuna havia sido sempre considerável; mas quando chegou à maioridade, o destino tinha-lhe preparado um destes acasos extravagantes que estupeficam o meio social em que acontecem e que não deixam nunca de alterar radicalmente a constituição moral daqueles a quem favorecem.
Parece que cem anos antes da maioridade de M. Ellison tinha morrido, numa província remota, um tal M. Seabright Ellison. Este cavalheiro havia amontoado uma fortuna principesca e, não tendo herdeiros imediatos, concebera a fantasia de deixar acumular aquela fortuna durante um século depois da sua morte. Tendo indicado ele mesmo, minuciosamente e com a maior sagacidade, os diferentes modos de empregar o dinheiro, legou a massa total ao seu parente mais próximo que vivesse na época em que terminasse o centésimo ano. Tinham-se feito muitas tentativas para obter a anulação daquele legado singular, mas todas haviam abortado, como confutadas de um caráter retroativo. A única coisa que resultou daquelas diligências foi a promulgação de um decreto pelo qual ficavam proibidas, para o futuro, semelhantes acumulações de capitais. Contudo, aquele decreto não pôde impedir o jovem Ellison de entrar em posse, no vigésimo primeiro aniversário do seu nascimento, como herdeiro direto de Seabright, de uma fortuna de quatrocentos e cinquenta milhões de dólares.
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Conto Clássicos de Edgar Allan Poe
Misterio / SuspensoColetânea de histórias de Edgar Allan Poe