você, de novo

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07 de Janeiro de 2020

É preciso coragem para fazer o que decidi fazer. Porque tudo que a gente nunca diz é justamente o que nos auto sabota. As palavras não ditas que mantemos aquecidas estrategicamente para não sentirmos medo, são na verdade, a grande força que nos atrai negativamente a uma turbulenta corrosão de pensamentos impertinentes. Temos limites. E entender tais limitações é preservar por nossa mentalidade que deve ser mantida pura e simplesmente saudável. E eu adoeci por achar que poderia estocar todas as coisas que supus ser capaz de lidar, somente para descobrir mais tarde que você adia constantemente o que acaba se tornando improrrogável. Até que é chegada a hora em que resolver tamanho impasse persistente, equivale na única forma de seguir adiante. O único remédio possível, nesse caso, encarar seus demônios.

E vale ressaltar que, encaramos tudo de modo figurativo e nunca de fato elevamos nossos pensamentos a crer que afundamos na lama viscosa das nossas falsas decisões certas. Porque é assim que soa quando você acha que fez bem em permitir certos momentos, situações, palavras... Evitando o inevitável, adiando o inadiável. E é interessante observar que a dor é a única coisa nesse mundo que espera, por que ela deseja te olhar nos olhos enquanto exige que você lide com ela, que dê conta de cada postergação cometida anteriormente, sempre sem pressa alguma.

É como penso agora. E foi por pensar dessa forma, que consegui enxergar que o sofrimento que carreguei por tanto tempo, não me pertencia. Essa bagagem pesada de inclinar os quadris nunca de fato me pertenceu. E foi exatamente por isso, que me livrei dela em algum lugar, em algum momento onde finalmente pude deixá-la pronta e juntamente a você.

Carregá-la me fez perder muitas coisas boas, me fez desistir de diversas oportunidades, tudo por achar que não conseguiria conciliar a bagagem com qualquer comprometimento que fosse exigir qualquer parcela de mim que já não tinha mais. Estava comprometida contigo como havíamos prometido que seríamos, mesmo após você ter quebrado nosso voto. Cheguei a pensar que "tudo bem, eu posso aguentar... ele ter desistido não quer dizer que eu também tenha que desistir". Mas a verdade? É que eu devia. Devia ter desistido na primeira oportunidade. Na primeira oportunidade de conhecer pessoas incríveis, ir a lugares exóticos, sentir gostos diferentes, ares e amores completamente opostos de tudo que já tive e vivi. Talvez se tivesse me permitido largar toda aquela bagagem há muito tempo atrás, eu teria vivido e gostado de alguma realidade totalmente diferente, onde possivelmente eu gostasse mais de jogos eletrônicos e de perder tempo no Instagram ou comer fandangos como se ainda fosse uma pirralha de quatorze anos totalmente despreocupada com a saúde. Seria bem capaz de ter me tornado uma mulher mais tranquila e menos ranzinza, que não se importaria de ser chamada pelo nome completo, ou que não se incomodaria com toalhas molhadas em cima da cama, provável que nem ligasse se alguém colocasse um copo suado diretamente na mesa de madeira — você acabou com vários móveis assim. A grande verdade é que todas essas coisas ainda me incomodam, mas não sou menos eu do que algum dia já fui, antes ou depois de você.

E já que estou falando de perdas consequentes, acho que devo mencionar a maior de todas elas; a grande e única oportunidade que tive de sair daqui, há quase dois anos. Morar, trabalhar e estudar no exterior. Se a decisão tivesse de ser tomada somente por mim, estaria lá nesse instante, e sua carta não teria me encontrado no mesmo endereço onde já derramei tantas lágrimas. Óbvio que minha mãe não me deixaria viver a par de sua proteção. Ela sempre gostou de me proteger de certa forma, mas isso apenas se intensificou depois de tudo que aconteceu entre nós. Com as palavras dela: "talvez não seja a melhor hora de viver além da sorte em outro país. Ainda mais num país como os Estados Unidos".

Devo muito a minha mãe, pois foi ela quem não me deixou pra viver a par de seu amparo. E por isso, entre tantas outras razões que agora me soam convincentes, não me deixou ir. Ela mais do que qualquer amigo ou pessoa próxima de nós, sabe pelo que passei. E é válido dizer que, há muito que ela nunca soube e nem deixarei que saiba. De todas as pessoas, foi minha mãe, Miguel, quem enxergou com tamanho desassossego toda aquela minha enxurrada de tristeza. Ninguém mais a enxergou tão afundo. Nem mesmo você. Então me diga: como eu poderia imaginar que depois de tanto tempo isso ainda me atingiria dessa maneira?

Por Isso Você Nunca Poderia Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora