consciente

12 4 0
                                    

15 de Fevereiro de 2020

Avançarei nove meses depois da noite da última correspondência. Durante todo esse tempo, experimentei uma preferência sua por mim que me deixava elevada por onde quer que eu fosse. Meu coração se enchia quando você me apresentava como sua "namorada e futura noiva", era um título que eu ansiava ter. E foi numa viagem nossa para São Paulo, naquele restaurante que você me levou depois que visitamos a Grande Feira do Livro, que me senti a mulher mais linda, desejada e sortuda do mundo. Todos aqueles conflitos tinham ficado no passado, nossa relação seguia num nível de perfeição que despertava inveja nas pessoas que nos viam juntos por todos os lugares que visitávamos. Enquanto jantávamos você conversava sobre todas as coisas que ainda faríamos juntos, as bibliotecas que você me levaria ao redor do mundo, todas as coisas que você prometeu que podia e não podia cumprir me faziam brilhar os olhos, pela atenção que você passará me dar.

— Andei pesquisando — você dizia enquanto cortava mais um pedaço do Bife à Chateaubriand, espalhando os legumes pelo prato fugindo deles como você sempre fazia. — Você sabe onde fica a maior biblioteca do mundo?

E eu sabia Miguel. Óbvio que eu sabia. Mas não teria a audácia de interromper a tua tentativa de me surpreender com essa descoberta. Fiz que não para que continuasse.

— É a Biblioteca do Congresso, em Washington. — fez uma breve parada para bebericar um pouco de vinho. — Parece que eles tem um acervo de mais de 155 milhões de exemplares e, PASME, são 32 milhões de títulos em 450 idiomas diferentes.

— Minha nossa, parece o paraíso na terra pra mim. — e realmente era, e ainda é se quer saber.

— Eu sei, e é por isso — limpou os lábios engordurados com um guardanapo — que quero programar uma viagem juntos pra lá. Eu e você, no seu paraíso dos sonhos.

Meu coração estava mais quente que a as brasas que assavam os imensos pedaços de carne logo ao fundo do restaurante que ficava praticamente ao ar livre.

Eu sorri totalmente abobadada.

— A gente não tem esse dinheiro. — intervi.

— Isso é detalhe. É só dar uma economizada. E recapitular um pouco do inglês. — sorriu no final.

— Eu fiz 21 anos não tem nem 3 meses. Não sinto que estou preparada pra uma viagem dessa.

— Não precisa ser agora.

Eu ainda sorria abobada e você me repreendeu.

— É que não parece real pra mim. Vir pra São Paulo para uma Feira de Livros é uma coisa, já sair do país...

— Mas você sempre quis ir para os Estados Unidos.

— E quero. Mas não sei se quero ir agora, se posso.

— Quando for a hora, a gente vai saber.

Ergueu a taça em minha direção e propôs um brinde. Nós brindamos um plano morto, que já foi proposto sem intenção de ser completo. Se não você não teria feito o que fez dias mais tarde.

— Quando for a hora. — repeti.

Caia uma chuva fraca quando estávamos indo embora e você ainda se queixava do valor da conta. Se pretendia economizar para me levar para tão longe, poderia começar não me levando para jantar num restaurante tão caro de princípio. Comer bife com nome de escritor do século XVII, que eu só ouvira falar por conta da faculdade? Éramos novos demais para aquilo, você achava que amadurecer se tratava de se comportar feito um nobre, saber nome de queijos e vinhos que acompanhavam bem, ou saber onde fica a maior biblioteca do mundo, ou economizar para uma viagem, ou saber a diferença de neoclassicismo e pré-romantismo. Nada disso te fez ser menos imaturo, algumas de suas atitudes mudaram, você de repente virou alguém mais afetuoso e atencioso, mas ainda era desperto para tantas outras coisas. Eu estava consciente disso desde aquela noite que te implorei de volta. Era bom estar contigo com essa forma mais doce e preocupada que faria de tudo para me ver feliz, mas parecia tão falso.

Entramos num táxi e voltamos para o hotel. Nossas roupas estavam encharcadas, mas ninguém ousou dizer nada para um casal tão bonito e apaixonado. Assim que tiramos aquelas roupas ensopadas e fomos tomar banho, você ficou no celular por uns dois minutos antes de entrar comigo.

— Você já se perguntou quanto tempo ainda temos?

Após uma noite tão incrível foi estranho que tivesse perguntado algo assim.

— Como assim? Está me assustando com essa pergunta.

— É que... Eu não sei explicar como sinto e, tenho medo de parecer completamente louco e assustador tentando te explicar.

Segurei seu rosto com minha mãos tão quentes quanto a água que caia sobre nós.

— Me conta.

Suas mãos vieram na minha cintura e você encostou sua cabeça na minha. Nossos olhos se encontraram numa proximidade íntima que já estava quase me acostumando.

— Eu tenho medo de te perder... Não sabia o que fazer pra te ter comigo por quanto tempo eu fosse merecedor, mesmo sabendo que fiz de tudo para não ser. No começo eu achava que se te ignorasse, e reprimisse todo o sentimento, poderia não me magoar outra vez. Mas depois que você veio até mim, tudo em você era marcante; teu cheiro, teu rosto, teu sorriso... — você parou e começou a aproximar meu corpo do teu, meus seios tocaram o teu peito, sua cabeça apoiada no meu ombro, como se mesmo depois de todos os momentos íntimos, você ainda se sentisse desconfortável para falar olhando nos meus olhos. — Tudo em você me convida a ficar. E por não saber o que fazer pra nunca te perder, uma insegurança me invade e faz com que eu pense que a qualquer momento você vai se livrar de mim, porque vai encontrar alguém que seja melhor para você. Eu te quero pra sempre, e agora sei disso.

Foi lindo ouvir aquilo e, confesso agora, que tinha sido sim meio assustador. Me desvencilhei dos teus braços para olhar mais uma vez para o teu rosto, e havia certa vermelhidão nos teus olhos. Você estava chorando Miguel. O teu medo de me perder te fazia uma pessoa perigosa até para si mesmo. Com essa forma manipuladora, você me ganhou. Jurei naquele momento que nada jamais me faria estar longe de você, que seríamos um e um apenas.

Eu estava muito próxima de descobrir um Miguel completamente diferente de tudo que você mostrou ser. E seria tão doloroso quanto todas as outras vezes que você feriu o meu coração. Eu devia ter sido mais esperta, devia ter enxergado antes essa sombra possessiva que rondava você, que queria me sufocar para que você se sentisse bem, gostado, amado... Invés disso, cai direitinho nos teus truques. Mas escrevo para dizer que nunca mais isso vai acontecer de novo.

— T.
22h09min

Por Isso Você Nunca Poderia Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora