ameixas e café da manhã

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12 de Fevereiro de 2020

Cá estamos. No lado mais recente da história. Onde após ter visto que não demos certo no passado, persisti e repeti meu erro. Essa história você conhece melhor do que ninguém, Miguel. É justamente aqui, nesse recomeço, que te dei outra oportunidade apesar de todas as coisas que te apontavam totalmente desmerecedor. Foi irresponsável de minha parte ter cedido ao teu pedido de desculpas, porque naquela altura eu já sabia que você me tinha como um peão num tabuleiro do teu jogo perigoso. Foi desgastante conflitar com minha própria mente que, ao mesmo tempo em que buscava por todos os motivos pelo qual não devia te deixar entrar novamente na minha vida, também me mostrava sinais vãos de que você poderia ter enxergado que conseguiria ser melhor se quisesse. Se quisesse você realmente poderia, e ainda pode Miguel. Mas tente ser melhor para qualquer outra pessoa que não seja eu. Porque me cansei de você, tarde, mas finalmente me cansei.

Goiânia é um bom lugar para estar, levando em consideração que todas as memórias tenham sido vividas em Brasília. Me lembro do dia em que você parou o carro de madrugada na Ponte JK. Você alegou que adorava a brisa do lago contra o rosto naquele horário. Louco. Aquela ponte nunca ficava vazia o suficiente para deixar um carro parado nela, principalmente para satisfazer qualquer vontade que fosse. Só que se prestarmos atenção, nas páginas surradas no livro da nossa história, você permitiu que eu visse uma brecha da tua alma. Aquele poderia ser teu lugar favorito, talvez até tivesse ido até ele no dia em que achou que seria prudente terminar nosso relacionamento por ligação. O que você teria feito se realmente tivesse ido até ele?

A última vez que passei por aquela ponte você não me veio na cabeça. E felizmente, isso acontecia com cada vez mais frequência. Comer pizza na Hunt deixou de ser um programa que era só nosso e passou ser um programa totalmente meu. Ir ao boliche com amigos e sair de madrugada por pouco não se tornou algo rotineiro, só mais uma coisa que reaprendi a gostar sem você. Cinema? Perdi as contas de quantos filmes assisti no ano passado acompanhado de amigos, pretendentes, ou por que não sozinha?

Passar por aquela ponte e não ter me lembrado de você foi como se as suas raízes estivessem apodrecendo e enfraquecendo enquanto aos poucos conseguia me libertar. Meus movimentos e percepções começavam a serem mais fluidos e sagazes, enquanto aos poucos retomava o ar, o pique daquela Tessa que há tanto não me permitia ser, que tanto sentia saudades.

Sua imagem se tornou esquecível. Pouco a pouco, como um bonequinho de forca, ia me esquecendo de aspectos que antes saberia responder com toda precisão e certeza. Peguei-me esquecendo em qual braço você preferia usar seus relógios caros e, mesmo que eventualmente me lembrasse a seguir, saber que aquilo se desvinculava de minha mente mesmo que por poucos segundos, me dava esperança de que poderia um dia te esquecer completamente.

Você estava de volta. Em algum lugar por aí depois daquela noite. O lençol estava dobrado no braço do sofá. Mal dobrado, pois você não sabia fazer aquilo. Seu cheiro ainda estava por todo ele. Todo aquele perfume que espalhava ondas intensas de amadeirado. Deitei sobre ele e talvez tenha ficado irritada quando teu cheiro se tornou inodoro, ou quem sabe tivesse me acostumado com ele mais uma vez depois de tanto tempo. E por isso, pensei em te ligar. Para saber onde você estava e deixar que soubesse que tinha meu perdão, só para que voltasse para casa e preenchesse cada canto com teu perfume e presença novamente. Não era suficiente está agarrada aquele pedaço de pano num conjunto de costura cara, eu precisava está agarrada a você, com minha cabeça junto ao teu peito, sentindo você afagar meus cabelos como fiz com os teus na noite anterior.

Me convenci de que até a casa sentia tua falta, mas não nos meus pequenos acessos dispersos, quando os cômodos eram claros em demasia, ou tão arejados que beiravam o frio hipotérmico, não quando parecia que havia tanto espaço ali que poderia me perder. Essa falta que me convenci de que a casa sentia de você, era na maior parte do tempo, quando podia sentir de modo corpóreo a solidão de todo aquele espaço que aprendi a dividir contigo, agora sem você. Daí tudo era o inverso. Os cômodos nunca estavam claros o suficiente e, aprendi que adultos podem temer tanto o escuro quanto as crianças assustadas ao arrastar da noite; nenhum cômodo nunca era tão arejado, o que muitas vezes me fez respirar fundo exigindo um esforço que fazia brilhar o suor no alto da testa. Desejei você com urgência. Havia uma parte de mim que desejava acreditar na sua plácida reciprocidade, porque eu precisava senti-la e, naquele momento, aquele desejo se tornou imoderadamente desequilibrado, mas não mais do que eu já havia me tornado.

Por Isso Você Nunca Poderia Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora