13 de Janeiro de 2020
Na última correspondência não cheguei muito longe, e devo ter demorado tanto a reescrever. Meu irmão, Tiles, tinha ótimas notícias sobre um novo emprego, o que é bom. Você mais do que ninguém sabe o quanto preciso ter algo para ocupar a mente.
Adivinhe só? Consegui comprar um ingresso para o show daquele cantor que te falei na última correspondência. É daqui alguns meses e para falar a verdade, imaginei que você fosse estar lá também, que fôssemos nos esbarrar por lá e acabar conversando sobre o que mudou nas nossas vidas após esse tempo desconecto. Como se tivéssemos terminado nossa história de maneira pacífica, assim como você deve ter imaginado para ter tido coragem de me mandar uma carta. Bom, de qualquer modo, imaginei tudo acontecendo. Previsivelmente e sendo nada otimista, sugeri que você estivesse melhor que eu. O que, cá entre nós, não é muito difícil. Mas não vou me queixar, até porque recebi um e-mail há alguns dias, bem antes até de começar a te escrever. É de algum consultor literário, um desses "caça talento". No e-mail ele diz que viu muito potencial na minha página biográfica e me propôs uma oferta. Penso que seria interessante ter algo publicado por uma editora e, essa seria — mesmo depois de tanto tempo de silêncio — a melhor resposta para o teu "isso provavelmente nunca vai dar em nada" que saíra da tua boca quando lhe mostrei completamente eufórica, o término do meu primeiro romance, que você leu uma ou duas páginas, mas sem muito esforço acabou largando, pois "pessoas como nós, pessoas que vivem no mundo real, não tem talento suficiente para ter livros publicados, é pura ilusão achar o contrário". Seria um ótimo jeito de te calar e te ver inteiramente despido de qualquer razão.
Ontem estive pensando mais sobre aquele novembro. Faltou tanto a dizer que quase te fiz pensar que me lembro de menos do que parece. Errado. Pois acabei me lembrando daquela sua foto com efeito preto e branco que tiramos na cabine de fotos do Parque Lendário. Estava tão estourada que seu nariz desaparecia. O motivo pelo qual não me esqueci dessa foto, é que eu estava olhando fixamente para ela, ali na capa do meu caderno, enquanto tivemos a primeira discussão na frente dos nossos amigos. E é exatamente dessa parte que voltarei a mencionar, que me envergonho. Pelo simples motivo de termos sido tão imaturos no começo. E talvez tenhamos permanecido imaturos sem perceber. Tenha sido o que levara tudo ao fim?
Lhe intimei. Brigamos por causa da sua persistência banal em me tratar com notável indiferença quando estávamos com outras pessoas. Eu não devia ter lhe mostrado aquilo Miguel, e você deveria ter tido a decência de reconhecer tamanha estupidez. Também fui estúpida, mas por tentar te ensinar o que você já sabia, ou deveria saber.
O engraçado é que por causa dessa idiotice toda, acabamos dividindo o nosso grupo de amigos em dois lados. Ou estavam contigo e contra mim, ou comigo e contra você. Tive boas impressões ao saber que Eduarda e Jennifer ficaram do meu lado, mas chateado por ver pessoas como Camila e Bernhard alegando uma imparcialidade totalmente falsa. Não queria que tivesse tomado esse rumo e sei que somente eu sinto muito.
Você sempre foi bom com as pessoas, isso é um fato. E talvez fosse por isso que não conseguia sentir raiva delas por escolherem você de qualquer forma. Para falar a verdade eu até me culpava por não ser suficiente e, só agora vejo o quanto estava errada em sentir essa culpa; errada em projetá-la em você quando achava que não devia carregá-la.
Graças aos conselhos da Jê, entendi tanto o que eu não sabia que sentia quanto o que você possivelmente encobria. Suas tentativas de me ignorar eram sem dúvida uma espécie de escudo. Eu gostava de você. Algo em você me atraía, e você sabia, e isso desencadeou esse seu comportamento de homem das cavernas, bruto e arrogante. Porque você se negava a admitir que também podia estar sentindo algo. Não tivemos muitas oportunidades de nos expressarmos verdadeiramente no primeiro mês, até que decidi falar contigo diretamente. O que agradeci a Jê por ter me ajudado. Graças a ela tivemos nossa primeira conversa sem risca facas. Naquele dia você foi completamente doce e atencioso. O que me fez ter absoluta certeza de que Jê nunca esteve tão certa. Não contei na correspondência anterior, mas, naquele dia na sorveteria, enquanto você falava, só conseguia me imaginar te beijando, ou você fazendo-o antes de mim. E eu tinha que ficar atenta, pois você nunca falava demais, era sempre algo rápido e objetivo, como se tivesse feito um rascunho pré-configurado para qualquer assunto que surgisse. Mesmo que fosse sobre sorvetes.
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Por Isso Você Nunca Poderia Me Amar
RomanceTessa faz uma introspecção nesse romance epistolar, quando escreve para o ex companheiro, que não vai mais aceitar essa forma ilógica de amor. Todos os direitos desta obra estão reservados Obra registrada ®️