Uma coisa é quando a Morte vem tranquilamente bater na sua porta para te levar. Outra é ela vir com tudo e arrombar essa porta para te levar a força. Infelizmente, comigo foi o segundo.
E quando Ela veio com tudo, eu não tive tempo para pensar nas coisas que sou grato e os arrependimentos. Essa é a questão, estamos todos à mercê da vontade da Morte. Porém, naqueles dois instantes em que Ela arrebentou a porta e me levou a força, apenas esses instantes foram o suficiente para toda a minha vida passar diante dos meus olhos.
É assim que você descobre o seu fim.
E todas as minhas memórias, desde criança, despertaram na minha alma nesses milésimos de segundo. A paixão na garota que eu tinha na pré escola, e as falhas tentativas de agradar ela. O grupo de amigos no Fundamental, e as tardes jogando futebol. Todas as festas no Ensino Médio e Faculdade, sendo priorizadas no lugar dos estudos. A formatura, e o diploma, os olhos cheio de lágrimas no rosto da minha mãe, mais do que nos meus. O primeiro salário, naquele terno que tanto combinou comigo. As primeiras férias, indo para a praia e curtindo sozinho. Os corações partidos, que não importa o quanto eu envelhecia, as histórias de decepções só aumentavam.
E a última memória, da ligação dizendo que meus sobrinhos estavam nascendo, minha irmã em trabalho de parto. Não pude nem ver o rosto deles, nem conhecer seus nomes. Dessa vez, nem adeus eu pude dar, não foi de meu privilégio.
E quem decide esses privilégios é a própria Morte. Será se ela tem humor para decidir quem pode se despedir ou não? E todas as palavras que gostariam de ser ditas? E todos os romances que gostariam de ser vividos? Será se esse suposto humor decide o que será realizado?
A Morte é mais cruel do que decidem acreditar. E comigo, ela não me deu nem o tempo de ter a dúvida.
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My Last Words
Short StoryConfissões, arrependimentos, gratidões. Nossas últimas palavras definem do que estamos cheios. O quão profundo você se conecta?