capítulo dois | começos

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Éramos tão jovens quando ela se foi.

Acho que sempre somos jovens demais para o luto.

Só que a vida é isso.

Chegadas e partidas.

Talvez por isso seja tão doloroso quando nos damos conta de que não somos nada. Apenas como mais uma estrela no céu ou um grão de areia na praia.

Somos pequenos.

Não podemos resolver todos os problemas que temos, quem dirá os problemas do mundo, mesmo que a cada ano a tecnologia avance e o homem faça novas descobertas, enfrente novas jornadas.

A resolução de certas coisas simplesmente não estão em nossas mãos.

E a sensação de impotência que sentimos quando vemos nosso amor partir dói.

Dói muito.

Eu senti aquilo quando ela se foi, mas também senti quando olhei nos olhos dele e vi seu brilho se perder. Eu entendi então que às vezes as feridas do coração não podem ser curadas. Que essas mesmas feridas podem guiar todo o futuro de uma alma perdida

Foi naquele momento.

O momento em que eu segurei a mão dele quando o caixão foi lentamente colocado na cova.

Eu senti sua pele gelada e trêmula.

Eu olhei em seus olhos.

E naquele momento eu percebi que o tinha perdido.

(...)

A faculdade estava nos meus planos - e da minha mãe - desde muito cedo. Ela sempre me incentivou a começar um curso, e apesar de hoje em dia sentir que isso era muito mais importante para ela do que para mim, estava animada em experimentar algo novo.

"Só vai pra frente quem tem diploma" - diz a pessoa sem faculdade, que acha que um título poderia simplesmente resolver todos os problemas da sua vida.

Tudo foi tão planejado, que aos treze anos eu já sabia o curso que eu queria fazer, aos dezesseis já tinha todas as universidades em que gostaria de estudar anotadas na minha agenda. Tudo verificado e aprovado por ela, é claro.

E eu apreciava muito que ela investisse tanto em mim, mas já que era pra ter um diploma seria do meu jeito!

A minha escolha não era a mais popular entre os jovens, o que no início causou um certo desgosto, confesso. Letras não era a mais comum das escolhas, já que no geral a maioria pensa em medicina, ou direito e engenharia.

Mas como não amar a literatura e todas as maravilhas que ela nos proporciona? A linguagem é uma coisa louca e mais louco ainda é entender como tudo funciona. No fim das contas não é todo mundo que aprecia a beleza das palavras, principalmente da língua portuguesa.

São Paulo acabou sendo o lugar escolhido pra minha nova empreitada. Não só porque uma das melhores faculdades da América Latina estava aqui, como também era um pólo tecnológico e industrial que traria muitas oportunidades caso eu precisasse. Tudo isso alinhado ao fato de que meus pais se conheceram e casaram aqui, e que minha mãe era extremamente apaixonada pelo lugar.

Ela contava as histórias de como se divertia nos festivais de música, de seus rolês malucos na Augusta e como ela e meu pai adoravam as noites paulistas. É óbvio que eu não poderia deixar de experimentar tudo isso!

O nome 'selva de pedra' era justificável. Os enormes arranha-céus que pareciam tocar as nuvens eram de uma arquitetura sem igual, com suas curvas e paredes de vidro. Era uma beleza de se perder de vista, literalmente. Realmente impressionante.

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