capítulo um | partida

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Ele não disse adeus.

Apenas se foi, como se não houvesse nada ficando para trás.

(...)

Qual é a emoção por trás da partida? A saudade antecipada que ocorre, as memórias que invadem nossa mente como um filme clichê,  aquela sensação de que se está deixando tanto para trás, que nada vai ser como era antes. Uma sensação horrível, tenho que dizer!

As caixas empilhadas no canto do meu quarto eram um lembrete constante da minha aguardada, porém tensa partida!

Aguardada porque ir para uma faculdade estava desde sempre nos planos da minha mãe, motivada sobre como a geração dela acredita fielmente que só tem um futuro quem tem um diploma! Porém, tensa, porque tenho um sério problema com partidas e com deixar tudo para trás.

Eu nem tinha ido e já estava com saudades de tudo! Minha cama de ferro, que eu mesma pintei de branco, a colcha felpuda que minha tia me deu no meu aniversário de oito anos, as marcações que mamãe fez na porta e indicavam como eu era um ser humano baixinho! Até os pôsteres da One Direction que enfeitavam minha porta! - Uau Harry Styles, eu ainda não superei o nosso romance imaginário! - Tudo era um lembrete de quanto tempo eu vivi naquela casa, de como eu cresci e aprendi ali! E não que eu nunca mais fosse voltar, mas mudanças assustam. E assustam pra caralho!

Eu iria finalmente começar a tão aguardada faculdade e agora às vésperas do começo do semestre a ideia de ser uma universitária não parecia tão atrativa assim!

Fechei a última mala, uma coisinha engraçada de couro falso verde fluorescente, e coloquei ao lado das caixas que em breve estariam no caminhão fretado para São Paulo. Todas devidamente lacradas e etiquetadas, carregando um pouco do que eu precisaria.

_ Leve só o básico, disse a mãe, mas filhos nunca ouvem!! – minha mãe apareceu na porta, seus braços cruzados sobre o peito e uma sobrancelha fina arqueada em minha direção. Seus cabelos castanhos e enrolados estavam presos no alto da cabeça de um jeito bagunçado e estiloso ao mesmo tempo, mas algumas mechas caíam por seu rosto jovial.

_ Você sabe, eu não existo sem toda essa bagunça - dei de ombros, apontando para as caixas.

Eu realmente exagerei com o que levar. Quem olhasse de fora até pensaria que eu estava mudando pra tão longe e que não voltaria para casa em anos, mas a realidade era só a minha indecisão no comando.

Como todos no século XXI eu culpo o meu signo.

_Você sabe que não vai usar nem metade dessas coisas, não é? - ela entrou no quarto e passou as mãos pelas caixas, analisando por um tempo, excessivamente longo, uma etiqueta onde lia-se "bagunças".

Aquela caixa foi reservada para tudo o que eu levaria caso no futuro precisasse, como uns pregos e alguns filmes em vhs. Completamente inútil, eu sei! Eu nem sou boa usando martelos, provavelmente só vou usar os pregos se precisar furar os olhos de alguém.

_Antes eu não precisar e ter, do que precisar e não ter! - repeti uma frase que meu avô materno sempre dizia, o que colocou uma careta engraçada no rosto da minha mãe. Vovô era um acumulador de todo tipo de quinquilharias, e ele raramente precisava de alguma coisa do seu imenso arsenal de inutilidades. - E eu sou libriana, sabe que minha capacidade de decisão é nula.

Eu disse! Use a carta do signo.

_Você não tem jeito - ela soltou um risinho fraco.

Mamãe com certeza era a mulher mais forte de todo o meu mundo, mas até um cego poderia ver que minha partida não estava sendo fácil pra ela. Mesmo que ela se esforçasse ao máximo para não entregar que estava sofrendo, como eu, pequenos detalhes lhe entregavam. Ela sempre passa a mão pelos cabelos quando está tentando se conter e em poucos minutos de conversa ela já colocou a mesma mecha atrás da orelha quinze vezes.

_Você sabe que São Paulo nem é tão longe assim. - tentei amenizar a situação.

_É, eu sei! - ela suspirou profundamente, caminhando até minha cama para sentar em uma das pontas. - Você é meu bebezinho e não sei se estou pronta pra tudo isso.

_Mamãe - respondi de forma melosa, sentando ao lado dela e a abraçando. - Eu vou sentir saudades também, mas prometo que vou ligar todos os dias.

Ela riu. Riu porque sabia que eu não ligaria, o ódio por conversas ao telefone não permitiria.

_Até parece.

Ficamos em um silêncio agradável. Uma buscando forças na outra, aproveitando os poucos minutos que tínhamos juntos por enquanto.

Era uma separação dolorosa, - apesar de que já passei por piores - , porque nunca nos separamos antes, e ela era a única família que eu tinha.

Sem irmãos, sem pai... só eu e ela.

_Eu vou sentir tanto a sua falta, você nem faz ideia! - ela disse no mesmo instante em que ouvimos um caminhão parar na rua.

_Eu também vou. - olhei no relógio, faltava uma hora e meia para o meu vôo. - Mas eu prometo que vou voltar em todos os feriados.

Nos abraçamos mais uma vez e eu me perdi no conforto do carinho materno, ciente de que demoraríamos muito até a próxima vez.

(...)

_Eu tenho uma coisa pra você.

Olhei para minha mãe, meus olhos cansados deviam estar igualmente inchados como os seus. Ali em frente ao portão de embarque, onde logo eu pegaria um vôo para uma nova vida, chorávamos como criancinhas, já morrendo de saudades uma da outra.

Ela abriu sua desgastada bolsa preta e retirou um envelope que um dia foi branco, mas que, provavelmente pelo pelo tempo, estava amarelado.

Peguei o objeto leve em minhas mãos e logo reconheci a caligrafia apressada e masculina. Eu sabia que ali não tinha uma carta emocionada de minha mãe me alertando dos perigos e aventuras de morar sozinha, nem um documento importante que eu precisaria no futuro. Era algo muito maior do que eu sequer poderia tentar explicar.

E então o material leve tornou-se imensamente pesado, como uma pedra que eu não tinha forças para segurar.

_Eu não quero isso. - empurrei o papel de volta para ela, como se a folha gasta queimasse meus dedos.

_Mavi - ela levou o objeto em minha direção, seus olhos verdes suplicando para que eu o pegasse.

_Eu não posso! - sussurrei, balançando veementemente a cabeça.

A abracei uma última vez, agora de forma apressada, e dei as costas, correndo até o embarque e só olhando para trás uma vez para dizer com o olhar que sentia muito!

A abracei uma última vez, agora de forma apressada, e dei as costas, correndo até o embarque e só olhando para trás uma vez para dizer com o olhar que sentia muito!

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