Prólogo - Solo Sagrado

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            Mesmo que eu tenha me tornado um pouco anti – social nos últimos meses, eu ainda gostava daquela tradição de irmos ao Subway da outra rua, todas as Sextas. Segurava um livro de John Green nas mãos e caminhava ao lado da minha mãe, enquanto Calvin ia falando (Provavelmente sobre uma das piriguetes que ele pegava) para o papai, do outro da calçada. Preferíamos não usar carro já que o lugar ficava tão próximo. Eu, ao contrário de Calvin, apenas caminhava bem próximo da mamãe, não dizia nada. Geralmente tudo ocorria dessa forma nos últimos seis meses. Meus pais não fazem a linha julgadores, e quando me assumi gay, simplesmente me apoiaram e até juraram me defender bastante. Só que as vezes olho para o Calvin e sabendo que estou errado, sinto que seria diferente se eu fosse como ele. Não, eu não quero ser como ele, até porque pegar a Paula deve ser descer demais no nível. Paula é uma garota de cabelos desgrenhados e que vive na matilha dos skatistas, Calvin vive pegando ela e espalhando para a escola toda, assim como, qualquer garota que leve precocemente para a cama.

                Devem achar que o mesmo ocorre comigo, desculpem, não. Eu nunca tive coragem de ir mais a fundo com ninguém, na verdade, nunca passei de um selinho em um menino da minha sala. Ele era meu melhor amigo e fez isso com pena de mim, porque riam por eu ser o único que todos sabiam ser Boca Virgem, e para piorar, Gay. Apesar de eu nunca contar para papai e mamãe, Calvin juntava-se ao seu grupinho e ria de mim várias vezes. Eu entendo que isso se trata de status, só que as vezes doía um pouco, ele ainda era meu irmão. Sentamos numa mesa e eu fico desta vez de frente para o meu pai. Olho e dou um sorriso breve e evitando prestar atenção na baboseira de Calvin, abro meu Quem é você, Alasca? – Estava poupando era o diálogo mesmo.

                   - Não sei como o Collin aguenta ficar nesses livros o dia todo. – Calvin tinha de começar.

                Permaneci calado e notei meus pais olharem um para o outro, e papai por fim passando um olhar chateado para Calvin. Folheei a página e um por um íamos fazer nossos combos. Fui o último a levantar e ir. Pedi meu habitual sanduíche de almôndegas e um cookie de framboesa. Retornando à mesa, afastei um pouco o livro e todos comiam a conversar:

                   - Você tinha de ver, Pai. Eu estava muito longe da barra e chutei a bola direto pro gol. – Disse Calvin fazendo gestos com a mão.

                    - Eu acredito. Gostaria de ter visto esse jogo, mas virão outros, filho. – Papai mexeu em seus cabelos.

                     - E eu prometo ir também. – Mamãe sorriu.

                    - Collin sumiu durante o jogo. Eu digo mesmo. Acho que estava se pegando com algum cara que não sei quem é. – Fiquei vermelho e parei de morde o pão. Que absurdo.

                - Que mentira. Eu sumi sim, mas estava fazendo trabalho de química. Alguns preferem usar o cérebro, Calvin.

                   - Calma, Collin. Ninguém está te julgando , até porque desde que faça as cosias direito, não proibimos você de nada. Seu irmão já teve umas duas namoradas desde o ano passado, você tem o direito de te rum namorado também.  – Papai disse a sorrir.

                   - Talvez fosse até bom para você, Collin. Pararia de se sentir tão só. – Mamãe mexia em meu cabelo de lado.

                   - É sério, não estava com ninguém. Eu juro. – Olhava com cara de poucos amigos. – Ele está querendo me importunar, sempre faz isso.

               - Ai, Collin. Para com esse teu chororô, devia mesmo era se pegar com alguém, não suporto sua donzelisse. – Calvin deu um gole em seu refrigerante tranquilamente.

                     - CALVIN! – Mamãe entrou em protesto com apenas a voz séria.

                - Que foi, mãe? Collin tem quinze anos e parece que quer se retardar. Olha, o Tony, aquele grandão do meu grupo é do seu time, vive dizendo que você é bonito. – Ele deu de ombros. Insolente.

                  - Fala para ele pegar outro que esteja tão disponível a rodar na escola, assim como você. Vai resolver o problema rapidinho, Calvin. – Mandei um beijinho irônico do meu lugar.

                  - Vou falar mesmo, e mais uma vez tu reforçarás a teoria da escola toda, que é um virgem e vai morrer assim, porque além de ser virgem é um gay mal sucedido e comédia da escola. – Ele ainda teve a audácia de me olhar e sorrir ironicamente.

                - Já chega, Calvin. Escuta aqui, está pensando eu porquê você é capitão do futebol, gatinho dos corredores, e pega uma garota em cada corredor, que pode dizer o que quer? Acho melhor se olhar no espelho, mas não num espelho físico, falo do interno mesmo, porque nem chorume chega perto de como você é. Eu não preciso de um homem na vida e nem tampouco que você me diga que vou morrer virgem, pois o corpo é meu e a vontade também, e é por gente como você que ela some a cada dia. – Girei meu dedo em sua direção. Ele olhava debochado. – Ninguém é obrigado a aguentar minha “Donzelisse”. – Frizei com os dedos. – Muito menos você, e sabe por que? Porquê você é um fio de corte necessário. Sabe o que é isso? A gente corta por não ter nenhuma utilidade boa na vida. E sendo assim, pode ficar com seus coleguinhas e trepando com as garotinhas do corredor. Só que faça isso sem olhar nem na minha cara. – Me surpreendi com a palavra que usei, uma vez que, Trepar e derivados não estava no vocabulário. Isso ficou ainda mais evidente com a expressão dos meus pais. Bati o livro na mesa e me levantei. – Estou indo para casa, podem terminar. Perdi a fome.

         Embora tenha ouvido a voz do meu pai atrás de mim, deixei que falasse só e andei ligeiramente ao sair do Subway. Enquanto cruzava as ruas só pensava na raiva e na tristeza que sentia diante de todas aquelas afirmações. O fato é, que até mesmo quando você não liga para o que falam de você, uma hora isso começa a te afetar. E no meu caso, era esse o momento. Só queria entrar no meu quarto e me trancar até o dia seguinte. Aliás, tenho a certeza de que a companhia divertida da tia Jéssica me ajudaria bastante.

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