Capítulo 1 - Eu não sou inquebrável

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                Entrei batendo as portas e não pestanejei em correr para o quarto. Bati a porta atrás de mim e me encostei na mesma. A minha janela ficara aberta e por ela eu pude ver a lua ao alto e bela, como eu sempre a vira. Encostado na porta fui escorregando até estar sentado ao chão e esticar as pernas. Não demora até que eu ouça a porta do apartamento abrir novamente e vozes inundarem o lugar. Mamãe vocifera:

                - Você perdeu os limites, Calvin. Você foi tão mesquinho com ele. – Ouço uma breve pausa, sendo surpreendido por batidas em minha porta. – Collin, abre a porta. Por favor.

                Fico em silêncio, apenas olho a lua.

                - Filho, deixa a mamãe conversar contigo. – Ouço sua respiração do outro lado, porém ainda que a escute, não produzo nenhum movimento para abrir a porta.

               Eu não julgo as pessoas, não as digo como agir, não controlo seus movimentos, eu sou apenas alguém que joga só no meu próprio campo. Eu simplesmente não entendo como pude ouvir tanta coisa desagradável de alguém que convivo há quinze anos, alguém do meu sangue. Ele é apenas um produto da sociedade em que vivemos, e posso o estar culpando agora, mas sei que amanhã eu o perdoarei pelas grosserias. Mamãe desiste e o clima volta a ser de silêncio, pelo menos para mim, uma vez que, ouço papai falando na sala com Calvin.

                - Vai se desculpar com seu irmão, Calvin. Eu não estou brincando com você. Amanhã vai se desculpar.

                Por um instante fecho os olhos e respiro um pouco da brisa leve que entra pela janela do quarto. Sua gelidez passa por minhas narinas e aquele clima gostoso se instala. Abraço um pouco as pernas e observo enquanto um conjunto de nuvens se sobrepõe a lua. Era de uma beleza inenarrável. Lembro-me das palavras de Alberto Caeiro, aquelas sobre amar a natureza, concordo com todas elas apesar de viver nessa cidade enorme. Por vezes eu sonhava em ter uma casinha no campo e viver lá, por mais que o amor não me sorrisse de orelha. Seria sonhar baixo? Não, mas era suficiente. Sempre precisei do suficiente, nada mais do que aquilo que a palma da minha mão poderia segurar.

                Passo as mãos calmamente em meus cabelos e inspiro profundamente. Estou prestes a adormecer quando ouço algo:

                - Collin? É o pai. Pode abrir a porta um instante? – Sua voz er a mesma de sempre, grave, mas que demonstrava preocupação.

                - Depois a gente conversa, papai. – Digo fracamente.

                - Por que não agora? Vai te fazer melhor. – Ele prossegue persuasivo.

                Levanto do chão e abro a fechadura da porta. Ao abrí-la vejo papai parado com uma expressão preocupada no rosto, tal qual sua voz exprimira anteriormente. Seus olhos azuis, tais quais os meus, me fitam por um momento e ele me abraça inesperadamente:

                - Não fique chateado com o Calvin, filho, ele é apenas inconsequente. Amanhã ele vai estar atrás de você de novo, como ele sempre fez. Nunca se separaram.

                - Eu sei, e eu não odeio por nada. Só estou cansado de tanto rótulo. – Digo com a voz embargada.

                - Você não é pior do que ninguém, Collin. Aliás, não é errado pensar como você pensa, algo totalmente diferente do seu irmão. Não critico ambos, e te digo que se isso te faz feliz, vá em frente. Não foi isso que eu te falei há seis meses atrás quando me contou que era gay? – Papai alisa meus cabelos.

               - Sim, foi. Eu só me irrito com tantas piadinhas do Calvin, só porque ele pega todas as meninas do colégio. Não quero ser página na vida de alguém, quero ser um livro inteiro. Pode me entender? – Pergunto.

                 - Posso. É tão bonito pensar assim, Collin. Eu penso que até mesmo o Calvin vai enxergar isso um dia, claro, do seu ponto de vista. – Ele continua a me afagar os cabelos. – Eu consigo ver todo incômodo em você, Collin. Está apenas passando por uma fase, porém também não quero que ache que ninguém quer você. É bonito, inteligente, e eu espero que use isso a seu favor para encontrar um bom cara. A única coisa que eu não aceito na sua vida é que transgrida ela com um homem que não valha a pena. Porque você vale bem mais que muitos no mundo.

          Não resisti e deixei que uma lágrima escorresse pertinente pelo rosto. Inspirei profundamente. Papai encosta o queixo em minha cabeça e fica em silêncio:

                - Eu só quero eu as pessoas vejam que eu não sou inquebrável, papai. – Digo entre as breves lágrimas.

                - Ninguém é. Alguns quebram mais fáceis, outros duram mais. Quebrar fácil não significa fraqueza, significa que seja mais sensível que os outros. Uma hora vai aprender isso. Você ainda tem uma vida inteira pela frente. Eu prometo que você fará coisas incríveis com a sua vida. Acredita no pai? – Ele se afasta para me olhar nos olhos, aqueles que tanto se assemelhavam aos dele.

                  - Acredito. – Digo passando as costas da mão direita no rosto e secando as lágrimas.

                Ele me tomou nos braços protetores outra vez e eu senti-me protegido, como sempre sentia quando ele e a mamãe estavam perto. Eu tenho medo do dia em que vou perde-los, pois não há nada como pai e mãe na vida. Tendo em vista a minha paranoia sobre amor, pode ser que estes sejam os únicos que eu verdadeiramente vá ter na vida. Tenho medo de estar longe deles, porém precisarei ir para o meu lugar uma hora. Eu só queria ter mais tempo, pois eu sabia que ele estava bem curto, só não fazia ideia do quanto.

                    Quando papai vai embora, logo fecho a porta do quarto e percebo que a porta de Calvin está fechada também. Após trancar a fechadura, caminho até a janela e continuo a olhar para o reflexo da lua na paisagem. Eu li num livro do Nicholas Sparks, que a lua pode ser algo especial entre mais de uma pessoa, uma vez que, não importa o lugar do mundo onde esteja ela ainda irá ter o mesmo tamanho para todos. É uma boa metáfora a ase pensar, e era a que estava vigente em meu pensamento. Não que eu pretendesse estar longe, todavia não sei o que me espera amanhã. Na verdade, tem um tempo que não sei do futuro.

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