Capítulo 5 - Chaves perdidas

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                A cada vez mais eu estava convencido de que Calvin era um babaca. Não adiantava me iludir através do sonho de que ele mudaria apenas com as palavras cuspidas anteriormente em sua face. Tentei encontrar consolo em tia Jéssica, esta porém, estava mais alta que Empire State. Na certa, bebera tanto quanto Calvin. Isso é um estado lamentável de ambas as partes. E houve aquela moça desesperada. Estava exatamente abraçado com tia quando ela tentava conseguir dinheiro dela, e a julgar pela forma amedrontada com a qual pedia, o caso realmente era sério. Será que tinha haver com algum parente doente? Ou talvez com sua própria saúde. Porque sim, acredito que para se ter aquela reação, sua vida poderia estar em risco.

                Solto-me de tia Jéssica e observo ela se desculpar e enveredar pelas escadas da descida. Ela poderia ter pego o elevador, no entanto o desespero parecia consumi-la. O tilintar ao chão foi um bom motivo corroborante do meu pensamento. Ela não vira o molho de chaves que caira no chão:

                - Moça, sua chave. – Corri e peguei os pequenos objetos nas mãos. Não havia ali nenhum chaveiro, estava apenas organizadas num pedaço de metal.

                Eu não devo ajudar ninguém, devo começar a olhar para mim mesmo, sobretudo após a última noite. Estou cansado de ignorar. Me prendo para não chorar mais após a humilhação que Calvin me fizera juntamente com seus colegas, no entanto, minha vontade de fazer mais uma vez o certo me provoca. Seguro firme o molho de chaves e aperto o botão do elevador. Espero que tia Jéssica tente me impedir de ir, mas isso não ocorre. Eu não duvido que ela tenha entrado a fim de beber mais uma dose do que ela estava a consumir.

                Quando o elevador chega, adentro no mesmo e aperto o Térreo a correr. As portas fecham-se e eu murmuro com certa:

                - Vai! Desce, joça.

                Em poucos segundos as portas tornam-se a abrir revelando-me o térreo. Passo correndo pelo porteiro, e este me olhar com certa estranheza. Sem ter nenhum resquício da mulher, já saio gritando:

                - Moça, suas chaves. Cadê você?

                Sai pelo portão principal e corri pela calçada da avenida central. As luzes dos postes iluminam fortes, mesmo que em um ou dois pontos esta iluminação seja mais baixa. Caminho em frente e o prédio fica para trás. Há uma rua virando à esquerda, uma que dava num beco e posteriormente numa outra ala de condomínios residenciais:

                - Suas chaves, Grazi. – Lembro do nome pelo qual a Tia Jéssica a chamava na hora em que conversavam.  – Grazi!

                Nenhum som, nenhuma imagem, nada além da minha própria voz e um lugar sem eco. Chegava a ser fantasmagórico. Nunca havia estado por ali aquelas horas, sinto um pouco de receio, mesmo que continue gritando. E mais uma vez o nada se revela mais forte do que qualquer outra coisa. Ainda que o receio me preenchesse, virei a rua à esquerda e segui andando na direção da outra parte do bairro. A escuridão tomara conta, anexando-se junto aos outros fatores desfavoráveis a minha saída. Grito mais um pouco pela moça e seguro suas chaves firmemente nas mãos. Um pensamento me ocorre a cabeça de que, certamente ela já estava bem longe dali, de que eu deveria voltar para casa e voltar ao meu quarto. Eu não tinha culpa da chave que ela perdeu. Piso em uma latinha no chão e dou um pulo assustado, porém não tão quanto, quando ando mais dois passos adiante.

                Ela está encostada na parede por ele. Um homem prende uma figura feminina na parede e seu pescoço está visivelmente envolto em seu braço. Ela parece debater-se, ele fala coisas que são baixas e não consigo decodificar. Da mesma forma não consigo ver o rosto da mulher, nem tampouco o dele com aquele capacete. Sim, há uma moto parada ao lado de ambos. Tudo estava pior do que já deveria, e eu claro, estava paralisado. Mas ainda havia algo pior, algo que meu olhar capta assim que olha um pouco mais para baixo. Uma arma.

                - Sua piranha, eu te dei seu último prazo. Você não cumpriu, vadia barata. – E então é a única coisa que consigo ouvir.

                Meus olhos estão arregalados e o cospe coisas na cara da outra figura. Não consigo me mexer, apesar que eu sabia que já deveria estar bem longe dali. Seria o momento em que eu correria, mas foi o momento em que minha mão cobriu a boca, que o espanto e medo tomaram conta. Ele disparou a primeira vez. O corpo caíra no chão. Ai meus Deus. – É tudo que consigo pensar quando vislumbro a face de Grazi a contorcer-se em dor. Ele a olha de cima e diz mais algumas palavras, aponta a arma para o rosto dele e diz algo. Fico a tremer dos pés à cabeça. Ele iria atirar no rosto dele. Todavia ele não faz isso, mas vejo ele apontar em seu peito e apertar o gatilho pela segunda vez. Dou um sobressalto a sentir lágrimas escorrerem pela minha face. Grazi parece murmurar algumas coisas, mas sua voz fraca não me permitem entender. Na certa pedia para ser poupada. O último tiro foi o pior. Foi rápido, derradeiro. Exprimo um simples gemido de medo por entre a mão na boca.

                Os olhos me contemplaram como o fogo consome a palha. A forma com a qual ele vira  para mim é simplesmente aterradora. Por entre o capacete posso perceber sua pele alva e seus olhos escuros e profundos. Ele segura a arma, sei que ele atirará em mim, mas ainda assim, viro e corro rapidamente a entrar na rua do meu prédio, vendo-o muito próximo. Um casal entrava na hora e imaginei que morreríamos todos juntos. Seria uma chacina. Passo pelos dois e sem querer bato no braço do homem. Não peço desculpas e ouço certos resmungados, porém pronto para ouvir os tiros e senti-los perfurarem minhas costas. Estou chorando e tremendo, não sei como meus pés conseguem correr daquela forma.

                O barulho ainda é alto em meu apartamento e pego a chave do meu bolso direito. Ao abrir rapidamente a porta, vejo toda a algazarra, e principalmente, o motel que minha se tornara por conta de Calvin. Vários rapazes e moças se agarravam. Uns em cima do sofá, outros até no chão. Enveredo pelo corredor e nem dou atenção, nem mesmo ao fato de não ver Calvin. Empurro a porta do meu quarto e me dou com uma cena mais do que desagradável. Calvin está sem roupas, assim como a garota a qual ele está envolvendo num ato sexual:

                - Saiam do meu quarto agora. – Grito o mais alto possível.

                Calvin se sobressalta e sai da garota. Ambos tem um susto ao me ver parado e encarando.

                - O que é isso, Collin? Sai dessa, tem outros quartos por aí. – Ele diz.

                - Eu falei para sair do meu quarto. AGORA. – Vocifero mais alto. – Ou você sai daqui ou você vai ver o demônio na sua frente , e eu te juro Calvin, eu vou quebrar a sua cara, destruir você diante do papai. Acabou a suas festinhas, acabou a confiança. Quer isso? – Ponho mão na testa.

                Meu irmão se levanta da cama e joga o vestido da garota em frente as partes íntimas da mesma. Não olho nem para ela e nem para ele.

                - Você é o maior queima situação, Collin. – Ele diz pegando a cueca preta e vestindo.

                - Sai daqui agora, seu desgraçado. – Pego uma caneca acima da mesa do meu computador e atiro em sua direção.

                Os dois saem do meu quarto e eu bato a porta atrás de mim. Começo a chorar descontroladamente e me apoio na cama para não cair. Ele matou ela, ele vai me matar. – Só consigo pensar desta forma e me aterrorizo ainda mais. Corro até a janela e olho par a visão da rua lá em baixo. Tranquilidade. Não havia ninguém, ou pelo menos se houvesse estaria bem escondido. Ele a matou. – E eu sei que repetirei isso para mim mesmo a noite inteira, pois após aquela cena, nada seria mais o mesmo. 

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