· • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • ·Trouxeram para o comissário os dois móveis solicitados. Ele verificou se a mesa estava firme, sentou-se diante dela, pediu a vela, que o médico lhe entregou passando por cima do cadáver, puxou do bolso um tinteiro, canetas de pena, papel, e deu início ao interrogatório.
Enquanto ele escrevia o preâmbulo, o médico demonstrou curiosidade pela cabeça sobre o saco de gesso, mas o comissário o deteve.
- Não toque em nada - disse. - O regulamento acima de tudo.
- Tem razão - concordou o médico.
E voltou a seu lugar.
Houve alguns minutos de silêncio, durante os quais só se ouvia a pena do comissário de polícia guinchando sobre o papel áspero do governo, enquanto as linhas sucediam-se com a rapidez de uma fórmula já conhecida pelo escriba.
Ao fim de algumas linhas, ele ergueu a fronte e olhou em volta.
- Quem se dispõe a testemunhar? - perguntou, dirigindo-se ao prefeito.
- Ora, esses dois cavalheiros, para começar - disse o sr. Ledru, apontando seus dois amigos de pé, que se juntavam ao comissário de polícia sentado.
- Muito bem.
Voltou-se para o meu lado.
- E depois, o cavalheiro, se não lhe for de todo incômodo ver seu nome num inquérito policial.
- Em absoluto - respondi.
- Peço então que desça - instruiu-me o comissário.
Certa repugnância me impedia de chegar perto do cadáver. De onde eu estava, alguns detalhes, sem me escaparem completamente, pareciam-me menos hediondos, perdidos numa semipenumbra que lançava um véu de poesia sobre o horror.
- É mesmo necessário? - perguntei.
- O quê?
- Que eu desça.
- Não. O senhor pode ficar onde está, se preferir.
Fiz um sinal com a cabeça que exprimia: "Desejo permanecer onde estou."
O comissário voltou-se para o amigo do sr. Ledru que estava mais próximo.
- Nome, sobrenome, idade, ocupação, profissão e domicílio - inquiriu com a velocidade do homem acostumado a fazer esse tipo de pergunta.
- Jean-Louis Alliette [16] - respondeu a testemunha escolhida -, vulgo Etteilla por anagrama, homem de letras, residente à rua da Comédia Antiga nº 20.
- Esqueceu de dizer sua idade - observou o comissário.
- Devo dizer a idade que tenho ou a idade que me dão?
- Sua idade, santo deus! Ninguém pode ter duas idades.
- Observo, sr. comissário, que determinadas pessoas, Cagliostro, por exemplo, ou o conde de Saint-Germain, o Judeu Errante...[17]
- Está insinuando que é Cagliostro, o conde de Saint-Germain ou o Judeu Errante? - indagou o comissário, franzindo a testa ao pensar que debochavam dele.
- Não, mas...
- Setenta e cinco anos - interveio o sr. Ledru. - Ponha setenta e cinco anos, sr. Cousin.
- Está bem - disse o comissário.
E pôs setenta e cinco anos.
- E o senhor, cavalheiro? - continuou ele, dirigindo-se ao segundo amigo do sr. Ledru.