· • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • ·Anoitecera completamente durante a história do sr. Ledru. Os habitantes do salão pareciam não mais que sombras, sombras não apenas mudas, como também imóveis, de tal forma temia-se que o sr. Ledru desistisse de seguir adiante, pois era evidente que, por trás da terrível história que acabara de contar, havia outra ainda mais terrível.
Não ouvíamos a respiração uns dos outros. Apenas o médico fez menção de abrir a boca. Agarrei-lhe a mão para impedi-lo de falar e, com efeito, ele se calou.
Passados alguns segundos o sr. Ledru continuou:
- Eu acabava de sair da Abadia e atravessava a praça Taranne para me dirigir à rua de Tournon, onde morava, quando ouvi uma voz de mulher pedindo socorro.
Não podiam ser malfeitores, eram apenas dez horas da noite. Corri até a esquina da praça de onde o grito me pareceu ter vindo, e vi, à luz da lua que saía de uma nuvem, uma mulher debatendo-se no meio de uma patrulha de sans-culottes.[49]
A mulher, igualmente, me avistou e, percebendo pelos meus trajes que eu não era exatamente um homem do povo, correu em minha direção, exclamando:
- Ei, vejam quem vem ali, é o sr. Albert, um conhecido meu! Ele confirmará que sou de fato a filha da dona Ledieu, a lavadeira.
Ao mesmo tempo, a pobre mulher, toda pálida e trêmula, segurou meu braço, agarrando-se a mim como o náufrago na tábua salvadora.
- A belezoca pode até ser filha da dona Ledieu, mas não tem certificado de civismo [50] e vai nos acompanhar até o corpo de guarda!
A moça me apertou o braço. Percebi tudo que havia de terror e súplica naquele sinal. Eu compreendera.
Como ela me chamara pelo primeiro nome que lhe passara na cabeça, chamei-a pelo primeiro nome que passou na minha.
- Ora vejam só! É você, querida Solange? - eu disse. - Mas o que está acontecendo?
- Ah, estão vendo, cavalheiros? - ela emendou.
"Ei, vejam quem vem ali, é o sr. Albert, um conhecido meu!"
- Parece-me que poderia efetivamente dizer cidadãos.
- Ora, sr. sargento, não é minha culpa se falo assim - argumentou a moça. - Minha mãe frequentava a alta sociedade, me ensinou a ser bem-educada, de maneira que foi um mau costume que adquiri, sei muito bem, um costume de aristocrata, mas o que quer, sr. sargento, não consigo abandoná-lo!
E havia nessa resposta, dada com uma voz trêmula, um imperceptível deboche que apenas eu detectei. Perguntei-me quem podia ser aquela mulher, problema impossível de resolver. Eu só tinha certeza que filha de lavadeira ela não era.