· • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • · • • • ✤ • • • ·O efeito causado pela história do sr. Ledru foi terrível. Nenhum de nós pensou em reagir contra seu impacto, nem mesmo o médico. O cavaleiro Lenoir, interpelado pelo sr. Ledru, respondia com um simples sinal de anuência. A dama pálida, que por um instante soerguera-se no sofá, voltou a cair em meio a suas almofadas e não deu sinal de vida senão mediante um suspiro. O comissário de polícia, que de nada daquilo extraía algo para dizer, não emitia nenhum som. Eu, de minha parte, gravava mentalmente todos os detalhes da catástrofe, a fim de poder recuperá-los, caso julgasse por bem narrá-los um dia, e, quanto a Alliette e ao padre Moulle, o enredo obedecia demasiadamente a suas crenças para que cogitassem refutá-lo.
Ao contrário, o padre Moulle foi o primeiro a romper o silêncio, sintetizando de certa forma a opinião geral:
- Acredito piamente no que acaba de nos contar, meu caro Ledru, mas como explica esse facto, como dizemos na terminologia materialista?
- Não explico - retrucou o sr. Ledru -, exponho. Nada além disso.
- Sim, como explica? - perguntou o médico. - Afinal de contas, prolongamento da vida ou não, o senhor não admite que, duas horas depois, uma cabeça cortada fale, olhe e aja.
- Se eu tivesse uma explicação, meu caro doutor - lamentou o sr. Ledru -, não teria caído tão gravemente doente após esse episódio.
- Mas e o senhor, doutor - disse o cavaleiro Lenoir -, como explica? Pois decerto não acredita que Ledru tenha voluntariamente forjado a história que acabou de nos contar. Sua doença também é um fato material.
- Ora, convenhamos, essa é muito boa! Por uma alucinação, o sr. Ledru julgou ver, o sr. Ledru julgou ouvir. Para ele é exatamente como se tivesse visto e ouvido. Os órgãos que transmitem a percepção ao sensorium, isto é, ao cérebro, podem ser enganados pelas circunstâncias. Nesse caso, eles se enganam e, ao se enganarem, transmitem falsas percepções. Julgamos ouvir, ouvimos; julgamos ver, vemos. O frio, a chuva e o escuro enganaram os órgãos do sr. Ledru, simples assim. O louco também vê e ouve o que julga ver e ouvir. A alucinação é uma loucura momentânea, que permanece gravada em nossa memória quando desaparece. Simples assim.
- Mas e quando ela não desaparece? - perguntou o padre Moulle.
- Então a doença entra na ordem das doenças incuráveis e morre-se dela.
- E o senhor porventura já chegou a tratar esse tipo de doença, doutor?
- Não, mas conheci alguns médicos que sim, entre eles um inglês, que acompanhou Walter Scott em sua viagem à França. [60]
- Que lhe contou...?
- Algo parecido com o que acaba de nos contar nosso anfitrião, algo talvez ainda mais extraordinário, até.
- E que o senhor explica em termos materialistas? - perguntou o padre Moulle.
- Naturalmente.
- E é capaz de nos contar a história que o médico inglês lhe contou?
- Sem dúvida.
- Ah, conte, doutor, conte. - É mesmo necessário?
- Ora, sem dúvida! - exclamaram todos.
- Vá lá. O médico que acompanhava Walter Scott à França chamava-se dr. Sympson. Era um dos membros mais ilustres da Faculdade de Edimburgo, ligado, por conseguinte, às pessoas mais respeitáveis da cidade.
Dentre essas pessoas, havia um juiz do tribunal criminal, cujo nome ele omitiu. Era o único segredo que julgava conveniente manter em todo o episódio.