10. Artifaille

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Seja porque se deixara convencer, seja, como é mais provável, porque lhe pareceu difícil refutar um homem como o cavaleiro Lenoir, o médico se calou.

Tal silêncio deixava terreno livre para os comentadores. O padre Moulle saltou na arena.

— Tudo isso não faz senão confirmar o meu sistema — disse ele.

— E o que diz o seu sistema? — indagou o médico, encantado de retomar a polêmica com rivais menos severos que o sr. Ledru e o cavaleiro Lenoir.

— Que vivemos entre dois mundos invisíveis, [83] povoados um por espíritos infernais, outro por espíritos celestiais; que, na hora do nosso nascimento, dois gênios, um bom, outro mau, vêm instalar-se ao nosso lado e nos acompanham a vida inteira, um nos soprando o bem, o outro, o mal; e que, na hora da morte, um deles triunfa e se apodera de nós. Assim, nosso corpo torna-se ou a vítima de um demônio ou o abrigo de um anjo. No caso da pobre Solange, o gênio bom triunfara, e era ele que lhe dizia adeus, Ledru, pelos lábios mudos da jovem mártir; no caso do bandoleiro condenado pelo juiz escocês, foi o demônio que prevaleceu e era ele que aparecia sucessivamente ao juiz na pele de um gato, ou fardado como um meirinho ou sob a forma de um esqueleto. Por último, no terceiro caso, foi o anjo da monarquia que vingou no sacrílego a terrível profanação dos túmulos, e que, como Cristo manifestando-se aos humildes, apontou a futura restauração da realeza para um pobre vigia dos túmulos, e isso com a mesma pompa que teria a fantástica cerimônia caso tivesse sido testemunhada por todos os futuros nobres da corte de Luís XVIII.

— Mas afinal, sr. padre — questionou o médico —, seu sistema todo baseia-se numa convicção.

— Sem dúvida.

— Ora, para que seja real, essa convicção deve repousar sobre algum fato.

— É sobre um fato, justamente, que a minha repousa.

— Sobre um fato narrado por alguém de sua absoluta confiança?

— Sobre um fato que aconteceu comigo mesmo.

— Ah, padre, gostaríamos de ouvi-lo.

— Será um prazer. Nasci naquela região herdada dos reis de outrora, hoje departamento do Aisne, antiga Île-de-France. Meu pai e minha mãe moravam numa pequena aldeia situada no meio da floresta de Villers-Cotterêts, cujo nome é Fleury. Antes de eu nascer, meus pais já tinham tido cinco filhos, três meninos e duas meninas, e todos haviam morrido. Daí resultou que minha mãe, ao engravidar de mim, fez a promessa de me vestir de branco até a idade de sete anos, enquanto meu pai jurou efetuar uma peregrinação a Nossa Senhora de Liesse.

Essas duas promessas não são raras na província e estavam intimamente interligadas, uma vez que o branco é a cor da Virgem e que Nossa Senhora de Liesse não é ninguém menos que a Virgem Maria.

Infelizmente, meu pai morreu durante a gravidez de minha mãe, a qual, não obstante, mulher devota, resolveu cumprir rigorosamente a dupla promessa. Assim que nasci, vestiram-me de branco dos pés à cabeça; e, assim que se viu em condições de andar, minha mãe fez a pé, como prometido, a peregrinação sagrada.

Por sorte, Nossa Senhora de Liesse localizava-se a apenas sessenta ou setenta quilômetros da aldeia de Fleury. Em três etapas, minha mãe chegou ao seu destino.

Lá, fez suas devoções e recebeu das mãos do pároco uma medalhinha de prata, que prendeu no meu pescoço.

Graças a essa dupla promessa, saí ileso de todos os acidentes da juventude e, quando alcancei a idade da razão, fosse pela educação religiosa que eu recebera, fosse por influência da medalha, senti-me impelido para a carreira eclesiástica. Tendo feito meus estudos no seminário de Soissons, em 1780 saí de lá padre e fui nomeado vigário em Étampes.

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