Capítulo I - Querido diário, minha amiga morreu

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A explicação do professor Pascal foi interrompida pelo toque do sinal.

O som estridente impedia qualquer um de ouvir qualquer coisa a não ser o toque. Era uma presença impossível de não ser notada. Afinal, o equipamento havia sido instalado logo ao lado da sala onde acontecia a aula, de forma que o professor não tinha escolha a não ser parar de falar.

Aquele era o último toque da manhã. Como era de se esperar, todos os alunos se levantaram praticamente ao mesmo tempo e se dirigiram para a porta, deixando para trás lápis, mesas tortas e um ou outro caderno. Um dos estudantes ficou na sala, recolhendo os pertences dos colegas. Iria devolvê-los aos amigos — com exceção dos lápis. Já não usava um decente havia alguns meses.

Pascal guardou seu material calmamente. O professor não compartilhava a emoção dos alunos. Enquanto muitos iriam para suas casas almoçar, cochilar ou o que quer que fizessem os jovens, ele teria de voltar para a escola no período vespertino. Aturar jovens era uma coisa, mas tomar conta de crianças barulhentas era algo que esgotava sua paciência e o fazia pensar sobre o fracasso de sua vida.

Apagou o conteúdo de óptica do quadro-negro, com um suspiro.

Do lado de fora da escola, adolescentes conversavam — vinte ou vinte e cinco, não muito mais do que isso. Falavam sobre os típicos assuntos pós-aula, como datas de provas, tarefas que seriam feitas de última hora ou então apenas brincando e rindo uns com os outros. Todos conversando e socializando.

Com exceção de uma pessoa.

Lillie Baudet caminhava por entre os colegas, de cabeça baixa. Não levantava os olhos para encarar ninguém e ninguém a encarava de volta — ainda que recebesse um ou outro olhar curioso de vez em quando. Ela não se importava com isso, no entanto. Não ligava para os outros. Estava acostumada a ficar sozinha.

Bem, quase sozinha. Havia uma pessoa com quem Lillie se permitia se abrir, sua melhor — e única — amiga Giselle Gray.

Giselle tinha cabelos pretos e cacheados, como os de Lillie, só que mais curtos, na altura dos ombros, embora isso ocorresse apenas por causa das suas tranças. Seus olhos eram castanhos, alguns tons mais claros que os de sua amiga, e a mesma associação poderia ser feita à sua cor de pele. A altura também dava um enorme contraste, já que Giselle possuía um metro e sessenta e era quase dez centímetros mais alta que Lillie. A não ser por esses detalhes, as duas eram praticamente idênticas — ou seja, nada tinham a ver uma com a outra.

A casa de Lillie ficava mais próxima à escola que a da amiga, seguindo caminhos opostos, embora a diferença não fosse significativa. O pacato vilarejo de Dancourt fazia jus ao adjetivo que acabou de lhe ser dado: era tão pequeno que seria possível uma ver a outra, mesmo se estivessem nos dois pontos mais distantes da cidade. Era um local minúsculo, com pouco mais de uma centena de habitantes e que não aparecia na maioria dos mapas da França. Um viajante que porventura passasse por lá provavelmente se espantaria ao encontrar dezenas de casinhas de madeira que não deveriam estar ali.

As amigas se despediram com um abraço, como de costume, como já haviam feito centenas de outras vezes. Giselle, então, lhe deu as costas para seguir seu caminho de cinco minutos até sua moradia.

— Giz, espere.

Giselle se virou ao ouvir o apelido. A amiga vez ou outra a chamava desse modo.

— O que foi, Lil?

Lillie parecia ter dificuldades para se expressar.

— Você quer... Hum... Bem, eu tive a ideia...

Giselle se aproximou e segurou os ombros da amiga. Sua pele negra suava, por algum motivo.

— Desembucha.

Sussurros da Floresta - Série LawOnde histórias criam vida. Descubra agora