Capítulo IX - Elsie Harper

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Várias pessoas adorariam conhecer Londres.

O pensador inglês Samuel Johnson um dia chegou a dizer: "Quando um homem está cansado de Londres, ele está cansado da vida, porque há em Londres tudo o que a vida pode oferecer" — e ele tinha toda a razão. Conhecida pelo enorme relógio Big Ben e por sua famosa roda gigante, a maior cidade da Europa atrai milhões de visitantes todos os anos e é considerada por muitos um dos melhores lugares do mundo para se viver. Por ter uma economia forte e um grande valor cultural, Londres é a mais conhecida cidade de toda a Inglaterra e uma das mais importantes do mundo.

O mesmo não pode ser dito de Lacock.

A apenas cento e vinte quilômetros da capital inglesa, a desconhecida cidadezinha é ofuscada pela grandiosidade de Londres. Não é para menos: se Londres fosse um astro do cinema, Lacock seria seu primo distante — existe, mas ninguém se importa muito com sua existência. No entanto, a cidadezinha possuía algo que Londres não tinha e que fazia dela infinitamente melhor que a capital inglesa: a presença ilustre de Elsie Harper.

Se algum cidadão aleatório passasse em frente à casa de cor preta e olhasse através da janela da sala de estar, poderia ver uma figura solitária, de cabeça baixa e focada em uma atividade. Era uma mulher loira, usando um vestido preto e um gorro de panda — por algum motivo. Ela segurava na mão direita uma caneta azul com a tampa toda mordida enquanto escrevia algo em uma folha de papel apoiada em seu colo. Era a letra de uma música que ela mesma estava criando, apesar de não saber cantar bem — e muito menos compor canções.

O cidadão, no entanto, não poderia vê-la fazendo isso. Estaria fora de seu ângulo de visão, e, de qualquer forma, ele provavelmente teria mais o que fazer do que espionar mulheres em casas àquela hora da noite.

Mas, caso esse cidadão estivesse dentro da residência da mulher — o que configuraria invasão de domicílio e pena de reclusão de seis meses a dois anos —, poderia reparar que aquela não era a única atividade que ocupava sua cabeça. Além de escrever, a mulher também passava batom com sua mão esquerda ao mesmo tempo que, com os pés, fazia carinho na Iguana.

Não era uma iguana de verdade. Na realidade, aquele animal era um simples gato branco de pelo tosado e unhas cortadas. O felino era bastante manso, apesar de preguiçoso, e, se fosse um ser humano, seria um idoso rabugento que passa seus dias sem fazer nada — descrição adequada para quase todos os gatos, aliás. A escolha do nome do bichano foi, na verdade, originada de uma série de acontecimentos trágicos. A mulher tivera uma iguana certa vez, a quem dera o carinhoso nome de Cachorro. Quando o réptil morreu por falta de comida, a loira adotou um cachorro, ao qual deu o nome de Gato. Pouco tempo depois, Gato veio a falecer pelo mesmo motivo, e a dona resolveu ter um felino e encerrar o ciclo de mortes homenageando sua primeira mascote. Ela decidiu que aquele seria o último animal de estimação que teria na vida. Estava mais do que claro que não sabia cuidar de bichos.

A mulher terminou de escrever mais um verso da música e suspirou. Fazer um monte de coisas ao mesmo tempo era cansativo, mas era necessário. Ela precisava escrever logo aquela canção, pois tivera uma ideia genial e tinha que anotá-la logo. Iguana estava tendo um dia ruim e precisava de carinho para se animar. E o batom... bem, estar bonita é sempre uma prioridade.

Seu celular vibrou em cima da mesa, fazendo Iguana virar sua cabeça na direção do som, mas sem sair do lugar. A loira sequer olhou para o aparelho. Estava acostumada a receber mensagens em momentos inoportunos — e mais acostumada a não respondê-las. Devia haver cerca de quinze pessoas iludidas esperando que ela respondesse suas mensagens.

"Podem esperar semtados", pensou ela.

A mulher voltou a focar no que estava fazendo, mas não se passaram dois segundos e o celular vibrou de novo. E de novo. E mais uma vez. E mais duas vezes.

Sussurros da Floresta - Série LawOnde histórias criam vida. Descubra agora