Sete

533 212 48
                                    

Ele

Um ai! agudo e arfante preenche seus ouvidos de repente. De onde veio isso? Olha para seus dois lados e não encontra nada. Franze a testa, frustrado. Será que imaginou? Realmente precisa descansar quando chegar em casa... Tanto trabalho está sendo estressante.

Agora uma respiração descoordenada e baixa adquire sua atenção. E ele finalmente olha para baixo, se deparando de súbito com um garotinho magrelo e cabeludo, que tira as mechas claras e cacheadas dos olhos para poder enxergá-lo melhor. Não foi à toa que eles se trombaram, o menino precisa de um corte.

-- Me desculpe, senhor. -- fala rápido e com um sotaque carregado. Ainda está no chão asfaltado, tentando se levantar. -- Eu não vi você.

-- Acredito em você. Está tudo bem. -- garante, lhe estendendo a mão. O pequeno a agarra com força, erguendo-se do chão. -- Eu machuquei você?

-- Não. Eu sou duro na queda.

Isso o faz sorrir um pouco.

-- Que bom.

-- Eu sou o Ben. -- O menino se apresenta, a mão franzina está elevada para um cumprimento formal. O mais velho a aperta fracamente; tem medo de feri-lo sem querer. A criança é tão magra que um vento pode levá-la, imagine um aperto forte de mão, com certeza pode quebrar seus ossos.

-- Ben de Benjamin? -- questiona. Há um Benjamin na cidade, pelo o que se recorda, mas tem certeza de que ele é bem mais novo. Ou será que já cresceu tanto assim?

Ele nega com um aceno. O cabelo em espirais balança com o movimento.

-- Não. Ben de Ben mesmo.

Agora o mais velho da dupla meneia a cabeça.

-- Eu não conheço você... ou conheço?

Ben solta um riso. Sua risada é rápida e até engraçada, lembra a dele próprio quando criança.

-- Com certeza não. -- responde, desta vez apontando para a cachoeira. -- Dá para visitar?

-- Sim. A trilha é de fácil acesso. Tem mais duas cachoeiras por ali.

-- Uau. Nunca fui numa cachoeira antes. Só à praia.

-- E eu nunca fui à praia.

Ben abre um sorrisinho.

-- Você não está perdendo nada. É cansativo e entediante. -- O menino vira o corpo, visando a Alvorada dessa vez. -- E aquilo é uma fábrica?

-- Sim, é da minha família.

-- Maneiro! -- diz, empolgado. Os olhos escuros se esbugalham de curiosidade. -- O que vocês fabricam?

Ele não se contém e ri. O menino lhe lembra demais ele mesmo; é curioso, astuto e extrovertido. É como se estivesse conversando com seu eu criança.

Está se sentindo muito nostálgico desde manhã, quando Bruno o abraçou. Passara a tarde relembrando de coisas que vivera quando criança com o irmão. E agora que esbarrou em Ben, tudo volta num segundo para sua mente.

-- Laticínios em geral.

-- Dá para visitar a fábrica também?

-- Bom, nunca fizemos isso, mas se eu falar com meu irmão, acredito que seja possível.

-- Legal. -- O dedo minúsculo agora aponta na direção oposta. -- Aquela ponte em vigas é o único modo de entrar e sair da cidade?

-- Sim. Estamos estudando construir outra mais reforçada.

#1 - Antes Que Você Vá - Disponível na AmazonOnde histórias criam vida. Descubra agora