Seis

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Ela

Agora faltam dez minutos para o meio-dia e acabamos de subir no ônibus. Eu e as meninas fomos dormir bem tarde na noite de ontem, enquanto Ben adormecera antes das onze. Preparamos algumas coisas para comermos no caminho como sanduíches e sucos naturais, cortamos e congelamos verduras e legumes para não estragar enquanto estivermos fora, e lavamos, secamos e guardamos a pequena pilha de louça do jantar. Tinha um pouco de roupas para dobrar e guardar. Varremos o chão e tiramos um monte de coisas da tomada, além de arrumar qualquer objeto que estivesse fora do lugar. O trabalho que demoraria horas para ser concluído, se feito por uma pessoa, foi finalizado em uma hora.

A fim de evitar o trânsito maluco que pode se formar a qualquer momento, pulamos da cama antes das oito. Podemos dormir a viagem inteira, se quisermos. Verificamos se estava tudo certo, fechamos o gás e o registro de água, trancamos as janelas e saímos. Precaução é tudo. A mãe de Ana Júlia ficou de ir até o apartamento uma vez na semana para ver se está tudo ok; a chave reserva está em seu poder.

O dia até que está agradável, fresquinho e com um sol fraco atrás de nuvens branquinhas feito algodão. Ben está comigo, devorando alguns pãezinhos de leite que busquei na padaria mais cedo. Assim que chegarmos passaremos num mercado e faremos o jantar.

Cami e Ana Jú estão nos bancos a nossa frente, conversando sobre filmes e séries. Esse é um assunto que eu não domino absolutamente nada. Digamos que eu não tenha muita paciência (ou tempo) para acompanhar episódios. Ao contrário de mim, mesmo com o tempo escasso, Ana Júlia assiste série atrás de série. São tantas que ela acompanha de modo simultâneo que não sei como consegue se lembrar dos acontecimentos. Já Camila prefere filmes. Os de terror e suspense são seus preferidos, mas desde que eu tivera Ben ela passou a gostar de animações. Até eu, admito.

Como o ônibus tem wi-fi gratuito eu desligo os dados móveis do celular e conecto na rede que está disponível. Ben procura algum desenho para assistir, já eu viro o rosto para a janela e acompanho a paisagem que muda a todo o instante. Lembranças da minha infância com Cami e Ana Júlia planam pela cabeça e me pego sorrindo, sem de fato enxergar o lado de fora.

Eu e Jú nos conhecemos desde os seis anos, quando entramos na pré-escola. Éramos duas magricelas com mochilas maiores que nós e íamos para a aula todos os dias com nossas mães, conhecidas desde a adolescência.

Para mim, a mãe de Ana Júlia é como uma segunda mãe. Foi ela quem nos acolheu quando perdemos nossa mãe. Eu faria ainda dezoito anos e Cami tinha quinze. Ela estava naquela fase meio revoltada que a maioria dos adolescentes passam. Sinceramente, ela era insuportável nessa idade. Ficou pior ainda depois que nossa mãe se foi.

Na infância Camila era uma criança gorducha, com cabelos escassos e loiros. Os olhos escuros contrastavam com a pele branquinha feito neve, a deixando com um ar angelical. A menina era tão branca que eu tinha a impressão de que conseguiria ver seus órgãos quando aproximasse meu rosto de sua barriga. Hoje, quando falo algo assim, ela se desata a rir.

Não somos parecidas fisicamente. Minha pele não é tão clara, está mais para mediana, quase amarronzada. Meu cabelo, como o dela, é fino, contudo castanho-escuro. Sou a cópia de papai, e ela se assemelha bastante com mamãe.

A única coisa que sei que tenho vinda de minha mãe na aparência são os olhos. O direito é castanho-claro, já o esquerdo é verde-escuro, assim como os dela eram. Nunca gostei desse defeito na juventude, mas agora ele já não tem muita importância. É uma parte minha igual à de minha mãe, uma forma de lembrar dela para sempre. Normalmente, nos dias úteis, uso lentes de contato castanhas para disfarçar, mas lhes dou uma folga nos feriados e finais de semana. E esse mês todo as evitarei.

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