Três

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Ele

Do outro lado do estado, numa limitada, bela e distante cidade rural, -- cidade essa que Vivian nem sabe que existe -- um homem de trinta e três anos estaciona seu carro -- um EcoSport 2015 na cor preta -- na ponta de um mirante, que está quase na fronteira de sua propriedade. Ele desliga o motor e respira fundo, sem saber se se senta no capô ou visualiza o pôr-do-sol de dentro da cabine. Após alguns segundos deliberando, decide continuar onde está. Não faz diferença. Não agora.

Se Paloma estivesse ali, o arrastaria a força, se necessário, para fora. Ela era assim, não se importava com frio algum que pudesse estar fazendo. E ali era muito, mas muito frio no outono e no inverno.

A visão do mirante, que fica ao lado de uma das quatro lindíssimas cachoeiras, é espetacular. No final da paisagem tem uma imensidão verde, com algumas montanhas e trilhas que dão acesso a pequeninas cavernas, onde antes os jovens adultos costumavam ir para beber e fazer sabe-se lá mais o quê. Tudo mudou depois que um garoto caiu em um precipício anos atrás e morreu na hora. Agora, se alguém for pego nessas trilhas, leva uma multa bem gorda por se arriscar. Está tudo rodeado de placas. Entrada proibida. Todos respeitam. Fim.

Algo que ele gosta muito na população é isso: respeito.

Exatamente no meio, cercado de árvores e plantas nativas, estão as lojas -- a sua, quatro de roupas e calçados, e uma de decoração e ferramentas -- a prefeitura, o pronto-socorro com farmácia, o minúsculo cemitério, o supermercado com padaria, a peixaria com açougue, a rodoviária com posto de gasolina, duas lanchonetes e uma loja de conveniência, a escola, o 1º DP e o único hotel, que funciona ali há mais de sessenta anos, quando tudo ainda era praticamente inabitável. Ele possui dois andares e imensos quartos. O turismo não é e nunca foi forte pela cidade, mas às vezes aparecem alguns grupos de aventureiros atrás das trilhas e cachoeiras ainda acessíveis. Voltam para o lugar de origem repletos de artesanato (das senhoras que vendem nas barracas no centro) e laticínios que estão à venda na sua loja.

Mais para o canto esquerdo estão várias chácaras com gigantescos quintais lotados de frutas variadas, alguns apartamentos e casas residenciais, além da igreja católica, onde ele e Paloma se casaram. No seu lado esquerdo dá para ver a fazenda e a fábrica de sua família, além do canil que ele cuida. Pretende em breve inaugurar sua clínica veterinária. Já está pronta há semanas, mas quando alguém precisa de seus serviços com animais domésticos, ele se desloca com todo prazer.

Apenas ele, o irmão mais velho e mais uns poucos amigos de infância continuam morando ali. Os outros se mandaram faz bastante tempo, quando entraram nas universidades de outros municípios bem distantes. Ele fez o mesmo aos dezoito, após estudar muito para o vestibular, mas retornou para casa cerca de nove anos antes, depois de se formar, a fim de cuidar da mãe e também de reconquistar Paloma, a garota que nunca lhe deu bola, mas que ele nunca conseguiu esquecer. Contudo, ele não precisou se esforçar muito, já que ela própria o convidou para sair algumas semanas após sua volta.

-- O que eu fiz para você me notar? -- Quis saber no sétimo ou oitavo encontro e a atração que sentiam um pelo outro fez com que se agarrassem feito loucos dentro do antigo carro dele. Depois, sabiam que deveriam encontrar um lugar mais reservado.

A casa dele estava fora de cogitação -- o irmão ainda morava lá com a esposa, já que a casa própria estava em construção, e a mãe sempre costurava até altas horas da noite. Bastava o carro chegar que eles já seriam notados. Claramente sua mãe ia querer usá-la como modelo para alguma roupa, e pronto, oportunidade perdida.

-- Vi algo de diferente em você quando voltou. -- respondera Paloma enquanto passava o vestido florido pela cabeça e o vestia devagar.

Ele deitou de barriga para baixo na cama, apoiando o queixo nas mãos e com o olhar fixo no corpo escultural da mulher que lhe tirava o sono desde a pré-adolescência. Ela fazia aquilo de propósito, não era possível.

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