CAPÍTULO DOIS

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[CINCO ANOS DEPOIS]

ELAIN DONOVAN

O dia amanheceu frio e cinzento, mas o clima não impede que meu corpo transpire em bicas. A corrida matinal, embora uma rotina, não ficou mais fácil com os anos. Aumentar minha velocidade e estar sempre no limite é o que posso fazer para alongar a resistência do meu corpo. Já tenho limitações físicas o bastante para me atrapalhar.

Desacelero, ofegante. O sol parece preguiçoso no horizonte, alongando o alvorecer. Minha camiseta está suada, grudando na minha silhueta. Estico o tecido desgastado. Esconder o meu corpo dos soldados da Guarda também é uma rotina cultivada.

Não me importo com o que eles pensam ou para o que acham que eu sirvo. Sigo caminhando pela trilha de terra batida que serpenteia ao redor o quartel. A ausência de árvores não permite que eu passe despercebida.

Alguns homens já estão saindo do quartel, prontos para os exercícios matinais antes do inicio dos turnos. Finjo não notar quando seus olhares lascivos deslizam pelo meu corpo e eles soltam ruídos sugestivos. É de se imaginar que isso faria qualquer mulher se sentir desejada.

Eu apenas me sinto suja, incapaz de controlar aquilo que meu corpo desperta.

Não me importo. Não me importo. Não me importo, repito mentalmente, me concentrando em chegar ao final da trilha.

É um exercício que já pratico há cinco anos.

É um sacrifício que vale à pena, um incômodo insignificante em vista de um objetivo muito maior.

Em três meses o Chefe da Guarda vai se aposentar.

Em três meses serei nomeada.

Em três meses vou calar a boca daqueles bastardos.

Minhas pernas estão tremendo quando alcanço o quartel. Sinto raiva porque não consigo controlar essa reação, porque não posso mudar o fato de que meu estômago se embrulha sempre que um deles se aproxima demais.

Finjo que posso controlar tudo isso.

Os corredores do quartel são iluminados parcamente por algumas pequenas janelas e lamparinas penduradas nas paredes. Sigo meu caminho e meu corpo relaxa quando percebo que o corredor do meu alojamento está vazio.

Talvez hoje seja um dia bom, penso.

— Elain.

Minha respiração vacila, mas continuo caminhando como se nada tivesse acontecido.

— Elain, eu sei que você me escutou.

— James. — Respondo com a voz plana e não diminuo o ritmo. Mais três portas e eu chegarei. Não finjo mais que posso controlar o que sinto.

— Hoje, mais do que nunca, acredito que o Chefe a colocou aqui para nos distrair. E você está se esforçando nesse seu plano. — Ele comenta, alcançando meus passos. Seus cabelos loiros e sebosos estão penteados para trás, dando uma visão mais ampla do seu rosto. Contenho um comentário. — Com o cargo de Chefe ficando vago daqui alguns meses, você é uma distração estratégica para os nossos homens. E hoje você está... particularmente distrativa.

— Talvez você esteja certo. — Concordo. Há dois anos, desde que James chegou, aprendi a não me irritar com seus comentários. Isso apenas o anima para continuar a conversa.

— Você me mata, Elain. Quando vai parar de ficar exibindo seu corpo por aqui? Se você soubesse há quanto tempo esses homens não veem uma mulher... se você soubesse há quanto tempo eu não estou com uma mulher. Poderíamos nos divertir juntos, sabe...

— Tenha um bom dia, James. – Encerro a conversa quando abro a minha porta. Fecha-la na cara de James é um prazer que me dou depois de uma manhã de exercícios. Minhas pernas tremem.

Passo a chave na fechadura e fecho ferrolho que adicionei à porta. Meus seios estão pinicando por causa do suor que se acumulou no tecido das faixas. Confiro a janela duas vezes antes de enfim tirar a roupa. É um alivio quando a pressão no meu peito diminui e as tiras de tecido caem do chão.

Vou até a tina e mergulho na água gelada. Meu corpo se arrepia e treme, mas eu aprecio a sensação.

— Eu estou viva. — Sussurro para a parede. — Eu estou viva e eu vou vencer.

Fico na água até que meus dedos enruguem e o cheiro do sabonete fica impregnado nos meus poros.

Enrolo meu cabelo em uma toalha áspera e pego novas faixas de tecido, dando várias voltas no meu corpo até que o volume dos meus seios é significativamente reduzido. Entro no uniforme da Guarda Real. Fileiras de botões dourados mantem a camisa e a calça no lugar. Amarro os cadarços das botas de cano longo e solto o cabelo.

Demora um tempo para pentear, mas finalmente consigo prender tudo em uma longa trança dourada que cai nas minhas costas.

Meu cabelo é o único luxo ao qual não abri mão, embora admita que ele já tenha sido mais brilhante e mais macio em algum momento. Posiciono o quepe na cabeça e duas espadas nas laterais do corpo. Ergo o queixo.

Estou pronta para começar o dia.

Acima da FraquezaOnde histórias criam vida. Descubra agora