CAPÍTULO UM

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O quarto do rei é um aposento frio. Embora a lareira queime, a eminência da morte é o suficiente para espantar qualquer calor.

Estou sentada ao lado do monarca, que segura a minha mão; apesar de os últimos resquícios de vida estarem deixando seu corpo, seu aperto é forte. É um momento melancólico, a morte do meu pai, mas é também um alívio para um suplício que vem durando semanas.

Ele reinou Dundeya por longos anos, mas a coroa já está pesando demais em sua cabeça. Nenhuma curandeira pode reverter essa verdade.

Minhas irmãs estão no quarto. Thalia, a mais velha, chora do outro lado do meu pai. Seu pranto é ruidoso, seus soluços preenchem o silêncio do aposento. O rei derrama algumas lágrimas – um homem que nunca chorou – e eu não sei dizer se é pela dor que sente ou pelo desespero. Partir deste mundo e deixar o reino nas mãos tão imaturas da filha me parece uma boa razão para um descontrole emocional.

Thalia é a herdeira, mas nunca se adaptou aos trejeitos da corte. Ela demonstra suas fraquezas de forma tão clara que todos os nobres sabem como se aproveitar de sua ingenuidade. Ela tem um bom coração, mas sua bondade jamais permitirá que tome as decisões necessárias.

Nosso pai está encarando o dossel da cama quando abre a boca. Sua voz é fraca, rouca, quando diz:

— A coroa... a coroa, minhas filhas, é um privilégio. E uma grande responsabilidade. — ele respira com muita dificuldade. — Não são as joias que fazem seu peso, mas sim a vida de cada cidadão desta terra que depende de nós.

Um silêncio se instaura e aquele parece ser o fim do seu discurso, mas ele continua:

— Eu acredito no amor de vocês por Dundeya, vejo isso em cada uma de vocês. — Apesar disso, ele não nos encara. — Mas não existe amor sem sacrifício.

— Nós entendemos isso, pai. — Thalia se pronuncia.

— Não existe amor sem sacrifício. — O rei repete e aperta minha mão mais uma vez.

Aquelas são suas últimas palavras. Rowena, nossa irmã mais nova, é a primeira a perceber que a vida deixou o seu corpo.

Descanso sua mão sobre a cama e me levanto. Meu coração dói, mas não há lágrimas em meus olhos. Vou ao corredor e chamo o Mestre Curandeiro, que anuncia a morte do rei e começa o preparo do corpo.
Retiro minhas irmãs do quarto e as acompanho até o próprio aposento. Rowena está fungando por trás de um lenço, seu choro é suave.

— Você quer que eu fique? — Thalia pergunta, afagando seu ombro. Rowena nega, agradece e fecha a porta.

— Vamos, eu acompanho você. – Passo o braço pelos ombros de Thalia, puxando-a levemente.

Nossa caminhada é curta. As portas do seu quarto já nos encaram.

— Papai está morto, Alys. — Ela me encara, os olhos vermelhos e transbordando de lágrimas. — O que vamos fazer agora?

— Governar Dundeya, como é o esperado.

— Você não está nervosa? Não tem medo do que está por vir?

Não.

— Estou, mas é você quem vai ser Rainha. — Respondo, embora minhas células lutem contra essa verdade.

— E eu vou precisar da sua ajuda, Alys. Não posso fazer isso sozinha.

— Você não vai, Thalia. — Afirmo, acompanhando ela para dentro do quarto.

— Mamãe nos fez prometer que ficaríamos juntas. — Ela diz, sorrindo com a recordação.

— E que cuidariamos umas das outras. — Completo. Aquela promessa completaria oito anos em breve.

— Então vai dar tudo certo. — Thalia enxuga as lágrimas e se senta na borda da cama.

— Você quer que eu fique? — Me ofereço, embora queira lidar com o luto sozinha.

— Obrigada, mas não precisa. — Aceno a cabeça com a dispensa.

Faço meu caminho até a porta, mas minha irmã me chama novamente.

— Eu te amo, Alys. — Ela diz com um sorriso triste.

— Eu também, Thalia.

Fecho a porta atrás de mim, o baque ecoando no corredor vazio.
Thalia não está pronta para governar.

As palavras do meu pai ecoam na minha mente:

"Não há amor sem sacrifício."

Eu amo Dundeya demais para permitir que Thalia a assuma.

Acima da FraquezaOnde histórias criam vida. Descubra agora