CAPÍTULO TRÊS

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ELAIN DONOVAN

O primeiro turno é na Sala do Trono.

25 guardas espalhados pelo majestoso salão. 47 armas à vista, inúmeras escondidas entre os uniformes. Mantenho uma mão na espada à direita, o queixo erguido e o olhar seguindo cada um dos nobres que se aproxima da Rainha. O Chefe da Guarda está ao seu lado, três degraus abaixo. Por debaixo do quepe, as matizes loiras do cabelo já se transformaram em um branco pálido. As rugas e marcas de expressão gritam os três meses que restam da sua carreira.

Não que a idade o tivesse tornado obsoleto de alguma forma. Sendo honesta, ele talvez fosse o homem mais perigoso daquele recinto.

Esse é o homem que vou substituir. Aquele é o lugar que vou ocupar. O mais perto da Rainha do que qualquer guarda já esteve.

Estreito os olhos quando um nobre se inclina em direção à monarca. É Lorde Rowan Haytham, cujo país – as Terras Baixas – não tem tido boa relação com Dundeya. O futuro governante, entretanto, parece muito bem relacionado com a Rainha.

Há semanas todos têm acompanhado o caso entre os dois, que não contou com muita aprovação do conselho. O relacionamento, entretanto, diminuiu os conflitos nas fronteiras. O povo espera uma aliança entre os países o mais breve possível.

Relaxo os músculos, sem perceber que estava tensa, e me concentro no Chefe da Guarda. Ele pega meu olhar, mas não devolve nenhuma expressão.

Respiro fundo e cumpro meu turno pelas duas horas seguintes, a mão sempre no punho da espada.

*

O segundo turno é uma tarde encantadora na capital de Dundeya.

O ladrilho das ruas ondula um pouco conforme o chão ferve com o calor. Por debaixo do quepe, meu cabelo está molhado com o suor. O tecido da farda parece sufocante e tento me concentrar no problema da temperatura ao invés de notar o olhar atravessado que alguns nobres me lançam.

Não sofro muito. Haddon está fazendo a ronda comigo, circulando pela cidade e cumprimentando nobres com a aba do quepe. Nada é muito interessante nessa parte do dia. Em geral, a capital é tranquila. Não há mendigos pedindo esmola ou batedores de carteira surrupiando. As novas políticas públicas da Rainha expurgaram essa "parte feia" da cidade.

Haddon é um bom companheiro. Embora não seja exatamente gentil, não faz comentários sobre meu corpo ou gênero. E isso é toda a gentileza que precisei nesses anos. Além do mais, o ódio em comum nos une: James. Haddon o odeia desde que pôs os pés no quartel. Eu o odeio na mesma medida de tempo.

Haddon também é o único que sabe meu segredo.

— Detesto quando a Corte de Verão faz visita. Fica tudo muito mais quente. — Ele comenta e depois enxuga a testa.

— Pelo menos não somos iguais à Guarda da Corte Álgida. Eles têm que usar luvas mesmo quando visitam Dundeya. Deve ser um inferno de quente. — Respondo. Haddon reflete sobre as minhas palavras, mas fica em silêncio. É sempre assim. Não dialogamos muito.

Um dos muitos nobres que visita a capital lança um olhar na minha direção, franze o cenho e depois muda o passo, se aproximando. Mantenho a expressão impassível.

— Você é da Guarda. – Ele constata e analisa meu uniforme, as sobrancelhas erguidas.

— Sim, meu lorde. – Respondo com a voz plana. Não comento que ele parece ter deixado os bons modos na sua Corte. — O senhor precisa de ajuda?

— Rá! Como isso é possível? – Ele exclama, ignorando minha pergunta. — Acho que nunca vi uma mulher na Guarda antes. Ainda mais a da Monarca!

— Não é contra a lei, meu lorde. — Haddon responde, respeitoso. Ele também já viveu esses momentos. Não tanto quanto eu, suponho.

— Não, não é. — O lorde concorda e ri para si mesmo, como se fosse uma grande piada. — Isso é obra da Rainha?

— Não, meu lorde. Passei nos testes por meus méritos. — Respondo, tentando não soar ofendida.

— Que coisa engraçada. — Ele ri de novo. Contenho a minha indignação de uma forma que apenas anos de disciplina poderiam fazer.

Minha expressão continua impassível.

O lorde ri de novo, balança a cabeça e se vai, murmurando alguma coisa pra si mesmo.

Haddon e eu continuamos nossa caminhada entre uma feira que se formou.

— Esse era bem arrogante. Você está bem? – Ele pergunta. Sei que faz isso por educação, mas sinto raiva mesmo assim. Finjo que não escutei e continuo andando. 

Acima da FraquezaOnde histórias criam vida. Descubra agora