Conhecendo o Desconhecido

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Acabava de deixar o quarto de um dos meus pacientes, quando aquela maldita sensação me apoderou de novo. Já não sabia mais como descrever como ela era. Só tinha consciência que me deixava completamente arrepiada quando acontecia. Parecia ser um misto de tensão com receio ou medo. Não sabia o porquê sentia isso.

Respirei fundo e entrei no banheiro. Precisava jogar um pouco de água em meu rosto para afugentar o sono, afinal, já estava a mais de vinte e quatro horas de plantão. Ser residente é uma das piores partes de se tornar médico, porque você passa mais tempo em um hospital do que em sua própria casa. Por sorte você recebe um dia de folga, mas tenha certeza de que seu bip irá tocar antes que esse dia acabe.

Mas não reclamo. Adoro a profissão que escolhi seguir. A ideia de cuidar de pessoas me fascinava desde criança. Quero dizer, sempre tive estômago para isso. Tinha que saber lidar com tudo que aparecia no hospital. Porque não eram coisas simples.

Lavei o rosto e me olhei seriamente no espelho. As olheiras estavam duas vezes maiores do que costumavam e apresentavam uma coloração roxa, mas não podia me entregar. Enquanto tivesse café na copa e água gelada, estava acordada.

— Atenção! — a recepcionista falava por meio do sistema de comunicação interna — Doutora Alice Baker, compareça ao centro cirúrgico número dois.

Houve uma pausa de alguns segundos e ela repetiu o aviso.

— Eu estou indo — respondi para mim mesma, secando o rosto com algumas toalhas de papel e corri em direção ao lugar indicado. Tamanho foi o meu susto quando vi um homem, sendo cuidado por um dos enfermeiros da emergência, debatendo-se violentamente. Estava em uma espécie de convulsão.

— O que aconteceu?

— Recebemos uma solicitação de atendimento urgente da polícia. A princípio, contaram que esse homem sofreu um acidente de carro. Depois nos disseram uma versão de que fora atacado por uma pessoa e essa o feriu na jugular — respondeu o paramédico.

— E o motivo dos espasmos?

— Ainda não sabemos a causa, doutora — respondeu e entregou o homem aos meus cuidados.

Examinei os seus olhos com uma lanterna e eles estavam em adducção, que é quando os olhos estão virados para cima.

— Administre agora uma dose de fenitoína! Vamos tentar conter a convulsão. Reponha os cristaloides e se não der jeito, tragam as bolsas de sangue para uma transfusão.

— Doutora, ele está tendo uma parada — falou o enfermeiro que me auxiliava, enquanto observava o monitor já ligado ao meu paciente.

— Tragam o desfibrilador — gritei desesperada. Nunca tinha visto um ataque daquela maneira, mesmo que eu já estivesse como residente há dois anos.

Enquanto carregavam o aparelho de reanimação e eu revezava com outra colega a ressuscitação cardiopulmonar, solicitei ao enfermeiro que trouxesse uma seringa com a adrenalina, mas nem mesmo chegou a aplica-la no homem, porque sua caixa torácica começou a inchar. Quando a minha colega percebeu as costelas se afastarem, enquanto prosseguia com a massagem, deu um passo em falso nos degraus onde havia subido para conseguir o ângulo correto da massagem cardíaca e caiu sentada no chão. Corri em direção ao homem, para retomar a ressuscitação, mas nem mesmo cheguei perto e ouvimos um estampido. Sangue voou para todos os lados e me atingiu em cheio, me dando um banho. Fiquei petrificada, enquanto os enfermeiros saiam da sala às pressas.

A gritaria começou em seguida e os pedidos de ajuda começaram a aterrorizar a emergência, ao ponto de o chefe de setor ser chamado às pressas. Ao ver a cena, ele paralisou.

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