V

17 2 0
                                        

A noite esconde horrores, entre vários, os monstros da nossa imaginação. - Merda! - Noah gritou ao tropeçar, a lanterna que trouxera não durou muito e a luz da lua desenhava apenas um caminho tortuoso entre as árvores; uma fina névoa escondia o chão e o som das criaturas noturnas assombravam as fobias do rapaz - a cada farfalhar das folhas, o coração palpitava. Bateu no próprio rosto para sentir que estava no comando, olhou à frente e mentalizou um padrão - a cada dez árvores iluminadas, dez metros ao norte -, e caminhou.

***

B

ertrand riu da ofensa de Mary. - Vejo que a pequena é versada na arte da maledicência.
- Ela não é assim - interpolou Aimee. - A culpa é sua, seu bandido. De onde estava, o rosto do sequestrador parecia apunhalado pelas chamas da fogueira.
- O que você quer com o nosso filho? - questionou Isaac, aborrecido.
- Eu não quero nada. Ele é apenas uma presa como qualquer outra - o caçador respondeu, tirando da fogueira duas estacas quentes de ferro.
- Você falou comigo antes, seu bobalhão? O que a gente te fez pra você fazer isso? - disse Mary, carrancuda.
A carne chiou quando Bertrand as atravessou com as estacas, depois as colocou perto do fogo. Os cachorros lamberam os focinhos. - Nós já vamos comer, fiquem calmos - disse Bertrand. - Eu já disse, menina. Seu irmão é apenas uma presa. Alguém me pagou pela cabeça dele, é só isso.
Jess não tirava os olhos sobre o caçador. - Qual foi o preço?
Aimee e Isaac a olharam, curiosos.
Bertrand caminhou para perto de Jess. - Humanos são fracos. A carne não tem um sabor bom, mas os meus cães apreciam roer os ossos, sabe? Depois eles chupam o tutano bem devagar - os olhos excitados -,
com a vítima ainda viva, assistindo tudo - disse.
Os reféns tremeram. - Você é maluco! - Isaac gritou.
O caçador assobiou, os cães ergueram a cabeça. - Aqui, Koba!
O cão foi em direção à Mary. A menina chorava e se debatia.
- Não faz isso! - gritavam seus pais.
Koba tinha o tamanho de um búfalo e pelo negros, os caninos se projetavam para fora da boca - dentes serrilhados como dos tubarões.
A garota fechou os olhos quando sentiu o fedor de carniça da boca de Koba - eram seus últimos instante.
O cachorro latiu, esperando a instrução. - Vai!

Ela abraçou seu corpo, um arrepio sem fim, gelada e áspera, passando pelos braços, pescoço e rosto. Depois o peso nas pernas, o choro.
- Cachorro de bosta - xingou o caçador.
Mary abriu os olhos, a fogueira tremulava embaçada para ela. Demorou até se acostumar com a luz e com Koba, no seu colo. - Acho que o seu cachorro gosta de mim - disse, com ranho descendo do nariz.
- Tsc! - o caçador colocou as mãos no bolso, e disse - Essa ninhada só deu porcaria.
- Por que o meu filho é sua presa? - questionou Aimee. - Ele filho nunca se envolveu com coisas erradas.
- Você tem certeza? O preço pela cabeça dele é muito alta no submundo - Submundo? - repetiu Aimee, aos prantos. - Você ouviu, Isaac? Nosso filho está com a cabeça a prêmio no submundo! Isso é tudo culpa sua por ser um cretino.
- Eu não tenho nada a ver com isso, sua bruxa! Tem certeza que isso não é coisa daquela raposa velha, seu pai?!
- Eu te odeio!
- Eu também te odeio!
Bertrand se irritou. - Calem a boca, os dois! - disse. - Pelos deuses, vocês são uma família disfuncional. Já resolveram procurar terapia?
- Isso é alguma piada - Mary se intrometeu. - Você amarrou a gente nessa caverna, me ameaçou de virar osso pra cachorro e tem coragem de perguntar isso? Você é maluco, cara!

O caçador deu as costas, pegou uma das estacas com carne assada e tirou um farto pedaço. - Eu sou formado em psicanálise e assassinato - respondeu. - Acho que posso ajudá-los.
- Não podemos fazer terapia de mãos atadas - Jess interpolou, a única que manteve a calma. - Pode nos soltar?
Bertrand limpava a gordura que escorria da boca. - Eu não posso, para segurança de vocês.
- Segurança? - repetiu Isaac. - O que tem de seguro nisso?
- Se vocês se perderem aqui no formigueiro, vocês correm o risco de virar comida dos monstros.
- Do que você está falando? - questionou Jess. - Isso é alguma metáfora?
O caçador terminou de chupar os dedos, secou-os na calça e disse - O Formigueiro Infernal é muito perigoso para humanos. Um vacilo e vocês viram papinha.
- Que lugar é esse? - Aimee retrucou.
- Burrice a minha. Esqueci de avisar que estamos no Outro Mundo.
- O quê?! - disseram.
Irritado, Bertrand respondeu - Vocês humanos são burros ou o quê? Nós atravessamos a barreira e agora estamos do outro lado.
Aimee sussurrou para Isaac - Eu já vi isso. Temos que entrar na paranóia dele.
- Ok - sussurrou Isaac.
Carrancudo, o caçador disse - Eu ouvi o que os dois disseram. Isso não é paranóia. Vocês é que não sabem da verdade do mundo.
- Que verdade? - Jess perguntou. - Nunca ouvimos algo assim.
Bertrand deitou - Eu estou muito cansado para explicar tudo. Quem sabe amanhã - bocejando, disse.
- Por favor - implorou Jess.
- Tudo bem. Digamos que seu mundo foi banido do resto do "mundo". É isso.
Paranóia ou não, Isaac ficou pensativo sobre o que ouviu. Como cientista, ele não podia se fechar às possibilidades, ainda que soassem como loucura. - Isso explica o tamanho dos seus cães, não é - retrucou. - Mas eles não estavam grandes assim quando você invadiu nossa casa.
- Magia.
- Isso não existe - disse Aimee, chateada.
Bertrand ergueu a mão, a fogueira apagou por um momento, todos ficaram no escuro - uma bola de fogo apareceu.
O caçador a segurava com a palma da mão, o mesmo calor e intensidade da chama - era real.
- Isso é magia, humanos - disse.

***

- Apareçam! - gritou o rapaz, sentido-se observado. Quis desistir, mas lembrou que arriscar a vida era uma condição para resgatar sua família.
O arbusto mexeu - Noah ficou tenso.
Sentiu algo agarrar a perna e correu aos tropeços - cada passo era como levantar anilhas de cinquenta quilos-, mas conseguiu alcançar uma clareira.
Crânios e ossos se espalhavam pelo lugar, o miasma da matéria em decomposição se elevava, brilhando verde. A mente estressada via formas absurdas; inclinou-se para puxar o fôlego. - Está tudo bem - resmungou. - É só coisa da sua cabeça.
A perna ardia e algo quente e viscoso molhou sua calça; Noah passou a mão e viu que estava sangrando. - Droga! Sem tempo para relaxar, virou-se ao ouvir algo.
A coisa pulou das árvores, um borrão que saltava de um lado a outro - o rapaz tateou o chão à procura de algo para se defender; os dedos passaram entre folhas, terras e ossos. Pegou algo firme e levantou.
- Vem, seu merda! Pode vir! - gritou, dando golpes a esmo. A coisa continuava a pular - Noah sentiu um repuxo na outra perna, que o colocou de quatro. O corpo lembrou do veneno da lamia; músculos e tendões amolecidos pela toxina. Arrastou-se até uma árvore, a coisa na sua direção. - Acaba logo com isso! - gritou, chorando, a respiração pesava - balbuciou algo incompreensível - e desmaiou.

***

F

reya e o velho correram quando viram a porta arrombada da casa de Noah.
- Não acredito que aquele insolente foi capaz disso - disse o velho.
- É culpa minha. Eu sabia que não era seguro deixar o menino sozinho.
O cheiro de cachorro e as marcas não eram estranhas à dupla.
- Se o Noah morrer, o artefato deixa um rastro - o velho disse.
- Que pesado, hein. Acho que você está perdendo a linha.
O velho riu, sem graça. - Eu não posso deixar de considerar essa possibilidade. Já faz muitos anos que Bertrand faz as coisas do jeito dele.
Freya parou na frente da mensagem, olhando-a. - Ele desafiou o Noah - disse. - Levou todos para o Outro Mundo como refém.
- Mas e o rapaz? Eu não sinto ele aqui - respondeu o velho.
- Magister - disse Freya. Uma bolsa apareceu - a fada tirou uma garrafa arredondada e jogou seu conteúdo sobre o piso; reflexos translúcidos mostraram a noite passada.
Viram quando Noah subiu e desceu, seguiram-no até o quarto, até o momento em que ele atravessou - então a forma de desfez em pó.
- Já sabemos para onde foram - disse o velho. - Vamos atrás de quem primeiro?
- Acho melhor ir atrás do rapaz. Depois pensamos em como tirar a família das mãos do Bertrand.
- Entendo - respondeu o velho.
- Vamos.
A passagem se abriu.
O sol brilhava e a grama balançava com o vento - Freya estava na campina em frente à Floresta das Aranhas. - Como diabos ele veio parar aqui? - pensou. - O que acha que aconteceu, velho?! Velho?!

 - O que acha que aconteceu, velho?! Velho?!

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

***

E aí pessoal, blz? Espero que sim!
E então, curtindo a história do Noah? Também espero que sim. Vim avisar que irei mudar de casa. Irei morar em Blumenau-SC, e por isso, talvez, o capítulo da semana que vem atrase. Mas é só um talvez. É isso! Um abraço e não esqueçam de comentar e votar.

OUTRO MUNDO - em hiato Onde histórias criam vida. Descubra agora