VII - em revisão

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O sol escondeu o seu brilho, e o sorriso da lua não existia. As estrelas caíram, e na escuridão pulsante dançavam os seres do infortúnio. A dor veio por trás das patas traseiras, juntas amoleceram e o dorso despencou, de cansaço.
De olhos inundados, o pobre dragão refletiu — Como eu vim parar aqui?
O lugar era como um sonho de cores inimagináveis, onde luz e sombra lutavam causando explosões de pura energia do caos, enquanto vultos dançavam ao som de flautas tenebrosas perto do monólito no qual estava acorrentado.

O tempo se ali existisse passava veloz. A mente inclinava-se à loucura dos anos, principalmente quando o gigante visitava-lhe. Marcas espalhavam-se nas patas e asas, suas escamas tremiam de medo — um sentimento tão humano que se dizia que as demais raças de Outro Mundo eram incapazes de senti-lo.
A visita durava segundos, e a dor aguda corria como choque por todo seu corpo — no ar, gritos abafados.
— Por quê?! — questionava o dragão.
Mudo! A expressão imutável, indiferente; nenhum som ouviu o gigante fazer. Os olhos do monstro eram loucos, de brilho amarelo e rosto sem nariz. 
É como olhar para minha própria morte de maneira infinita — pensou o dragão, as correntes atormentando o pescoço.
Então dormiu.

***

Freya acordou sentido o forte odor de ervas cozidas. O amargo da Canela-Listrada, o adocicado da Flor de Rowan, e o azedo da casca de Laranjeira enchiam  suas narinas como numa briga de rua.
Esgotada, a fada rainha apenas suspirou. Demorara três dias até que recuperasse a consciência. Quando enfim acordou, ficou surpresa com as correntes em volta das mãos.
P

or sorte, o covil no qual era cativa não era iluminado, e seus olhos acabaram não sofrendo com a incontinência do brilho que raios de sol podem causar a uma vista desacostumada com a luz da manhã.
Em pé, à sua frente, uma criatura entre trapos; de braços longos e cabelo ensebado, mexia uma enorme colher à beira do caldeirão.
— Enfim acordou, pequenina. Já não era hora. Vamos, vamos, preciso que você me ajude com um feitiço — disse a velha bruxa do caos com sua voz rascante. 
Freya procurou por Noah, mas não viu nenhum sinal do rapaz por perto.
— Eu acho que não posso te ajudar — respondeu, mau humorada. — Mas você tem me prometer que vai me soltar depois.
A bruxa, conhecida como Rainha Negra, parou de mexer a poção que cozinhava.
— Eu acho que a sua língua grande pra caber nessa boca pequenina.
— Nada adianta tentar me ofender, bruxa — retrucou Freya. — Eu tenho certeza que você tem centenas de inimigos te perseguindo. Afinal, você é uma fada caída.
A Rainha Negra fez pouco caso, e voltou a mexer seu feitiço. Ela flutuava de um lado para o outro do covil apinhado de coisas mágicas e instrumentos de maldição. O lugar não era tão grande, e para uma bruxa do caos, o covil era mais como um grande lixão com estantes velhas, raízes, e ervas secas.
Um pequeno morcego rodopiou pelos ares, pousando no ombro esquelético da bruxa.
— Então ele está chegando — disse. — Agora vai faltar muito pouco para preparar minha poção. Fadinha! Prepare-se, eu vou precisar da sua magia.
— Eu não tenho magia... Não do jeito que você pensa — Freya disse. — Meus poderes têm um uso limitado a cinco encantamentos por dia.
A bruxa flutuou para perto de Freya, envolvendo seus dedos no queixo da fada.
— Querida, faz três dias que você não usa seus poderes. Tenho certeza que o seu contador está zerado por enquanto.
Freya ficou surpresa.
O que poderia ser pior? Freya não tinha noção de que a Rainha Negra um dia foi a protetora de Volomoria, uma importante fortaleza do território das fadas.
Mas o que a fez cair? Freya não fazia ideia. Mas de uma coisa ela sabia. Se havia algo pior do que ser exilada, esta coisa era ser uma caída.
A porta de carvalho se abriu, jogando um pouco de luz para dentro do covil.
Quem entrou foi Noah, acompanhado de dois duendes que davam na altura da cintura do rapaz. As criaturas de pele verde e olhos vermelhos estavam armadas com lanças de madeira e vestidas com peitorais costurados com pele de caça.

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