GAROTINHAS

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Fernanda estava sentada no galho de uma árvore quando Isabela saiu pela porta da cozinha do sítio, carregando com muito esforço uma cesta de piquenique quase do tamanho dela.

Depois de pular do galho com a maior facilidade do mundo, Fernanda correu para ajudar Isabela. As duas meninas foram caminhando devagar, andando um pouco cambaleantes por terem que coordenar os passos para andarem juntas carregando peso.

Pararam no jardinzinho atrás da casa e colocaram a cesta no chão. Isabela pegou uma toalha quadriculada dentro dela e com a ajuda de Fernanda a estendeu na grama. Com um jeitinho sério e compenetrado, foi tirando alguns pratos, xícaras, pires, colheres e até um bule e um açucareiro de brinquedo, que arrumou em cima da toalha. Fernanda sentou com as pernas cruzadas, as mãos apoiadas no queixo, a olhando com um arzinho de admiração.

- Ajuda, Fê! Vai ficar só olhando, é?

- Desculpa...

Fernanda fingiu ajeitar um pratinho, sem tirar os olhos dela. Isabela então tirou da cesta a melhor parte: uma garrafa térmica com "Toddy" e alguns biscoitos e bolinhos que tia Guida tinha feito para elas. Tudo de verdade! Terminou de arrumar e se sentou também, batendo palmas e dizendo:

- Eu sirvo!

Colocou o chocolate nas pequenas xícaras, entornando grande parte enquanto servia. Entregou uma das xícaras meladas para Fernanda, que já ia tomar quando Isabela a interrompeu:

- Espera! Primeiro o brinde!

Isabela fez um sinal para Fernanda, lembrando que ela é que tinha que fazer o brinde. Fernanda levantou a xícara e disse, com um tom formal que era no mínimo engraçado:

- Tim Tim!

Ao que Isabela respondeu: "Tim Tim" e, batendo a xícara na dela, derramou mais chocolate ainda.

- Agora bebe de uma só vez!

Fernanda, como sempre, obedeceu. Começaram a comer os biscoitos, e Isabela exigiu:

- Agora me conta o segredo!

- Que segredo?

Fernanda se fez de desentendida e Isabela perdeu a pouca paciência que tinha:

- Você não disse que tinha um segredo pra me contar, ué?

- Eu disse surpresa!

- Melhor ainda! Conta, Fê!

Fernanda olhou para cima, respirou fundo, como se tomasse coragem, e disse:

- É uma coisa que eu vi num filme: a gente faz um coração numa árvore. E escreve dentro dele o nome da pessoa que a gente mais gosta.

Isabela franziu a testa e torceu o nariz:

- Só isso? Que surpresa sem graça...

Mas logo se arrependeu, porque Fernanda fez uma carinha muito triste com o comentário. Imediatamente consertou:

- Mas é um ótimo segredo! Vai ser o nosso segredo. E nunca, jamais vamos contar pra ninguém. Jura?

O rosto de Fernanda se iluminou. Levantou os dedos indicador e médio da mão esquerda e colocou a mão direita no peito dizendo:

- Juro pela minha mãe mortinha!

Dessa vez foi Isabela quem se entristeceu. Na mesma hora, Fernanda se arrependeu e se repreendeu mentalmente por ter esquecido que a amiga tinha perdido os pais em um acidente de carro há apenas alguns poucos meses.

- Desculpa, eu...eu...

A preocupação de Fernanda parecia tão sincera, que Isabela sorriu para ela de novo:

- Tudo bem.

Menos de um segundo depois, Fernanda retomou o assunto pendente:

- Bela, que nome você vai escrever?

- Não sei... E você?

- Também não sei...

Isabela comeu um dos bolinhos e ficou com a boca toda lambuzada de açúcar.

- Sua boca tá toda suja...

Isabela passou a língua na boca, tentando limpar, sem conseguir:

- Saiu?

- Eu tiro pra você...

Fernanda se aproximou, passou os dedos no açúcar melado, e também não conseguiu. Então, cuspiu nos dedos e já vinha com eles para cima de Isabela, quando ela recuou, dizendo:

- Eca! Que nojo!

- Deixa de ser boba! Assim você nunca vai beijar na boca!

- Isso não é beijo, é cuspe!

- Aposto que se fosse beijo você também tinha nojo!

- Não tinha nada!

- Tinha!

- Não tinha!

- Tinha!

- Não tinha!

- Tinha!

- Quer apostar?

- Duvido!

- Quer ver?

E encostou os lábios nos de Fernanda. Ficaram se olhando, ainda com os lábios encostados, os olhos de Fernanda muito arregalados, e se arregalando ainda mais quando ouviram a voz de tia Guida gritando:

- Isabela! Já pra casa!

- Tia Guida...

- Agora!

Levantou e entrou em casa correndo. No dia seguinte bem cedo, Tia Guida a mandou para a casa da irmã no Rio de Janeiro.

Trecho do livro LEGADO DE PAIXÃO de Diedra Roiz, publicado pela Editora Vira Letra


 

 

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