REENCONTRO

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Júlia se livrou do figurino suado, vestiu um roupão, tirou a maquiagem e ajeitou os cabelos. Ficou esperando em pé, de frente para a parede espelhada, as mãos segurando a bancada, numa tentativa inútil de fazer com que parassem de tremer. Assim que a porta se abriu levantou os olhos e encontrou os dela através do espelho. Virou-se. Percorreu-a com os olhos por inteiro, sem que fosse capaz de se conter. Estava ainda mais bonita do que já era aos dezessete anos. Tinha se tornado uma bela mulher. Quis dizer o nome dela, mas foi absolutamente incapaz:

- Que bom que veio.

Conseguiu a muito custo perguntar:

- Gostou?

Carla sorriu:

- Você é uma ótima atriz. Sempre foi.

O duplo sentido da frase fez com que um silêncio constrangedor se instaurasse.

- Quer se sentar?

Carla recusou com um movimento de cabeça:

- Não, obrigada.

O silêncio novamente se instaurou. E, mais uma vez, foi Júlia quem o quebrou:

- Como você está?

Ela demorou a responder:

- Bem.

Os olhares se encontraram. Carla falou tentando dar um tom desprovido de emoção. Informativo:

- Eu me casei. Tive dois filhos. Leonardo e Letícia.

Foi de um jeito carinhoso que Júlia perguntou:

- Que idade eles têm?

- Ele vinte e ela dezessete.

Sorriram juntas, unidas pela mesma lembrança, o mesmo pensamento: tudo que elas haviam compartilhado, vivenciado, tudo o que possuíam em comum. A primeira vez, a descoberta do amor, do sexo, da paixão entre duas mulheres em uma época em que não só não se falava sobre isso como quase não se tinha informação alguma. Exatamente quando as duas tinham dezessete.

- Ela é parecida com você?

Foi muito mais para si mesma, como se pela primeira vez constatasse, que Carla respondeu:

- Sim, ela é.

Voltaram a sorrir. Dessa vez uma para a outra. Carla perguntou:

- E a sua família?

Júlia nem pensou antes de responder:

- Minha avó faleceu há quase doze anos e o meu pai há cinco.

Parou para se recompor. Ainda se emocionava quando falava ou pensava naquelas perdas. O tempo havia amenizado, mas não cicatrizado completamente. Como uma ferida aberta, que só sangra se for remexida. E por isso evitava, preferia não fazê-lo.

- Eu sinto muito.

Não foi uma frase dita por formalidade. Havia verdade nas palavras de Carla, Júlia pôde sentir perfeitamente. Era algo que sempre havia amado nela: a sensibilidade. Sorriu:

- Agora minha mãe está bem, mas é aquilo: continua no mesmo apartamento, com tudo igual, não quis mudar nada depois da morte dele.

Só então percebeu o que Carla realmente tinha perguntado. Pensou nos poucos relacionamentos que teve. Nenhum deles duradouro, nem bem sucedido, muito menos divulgado publicamente. Preferiu não mencioná-los. Não valia a pena. Perguntou apenas:

- E os seus pais e a sua irmã?

- Ah, os meus pais continuam a mesma coisa de sempre. Minha mãe me liga todo santo dia, tem que saber tudo que acontece. Meu pai cada vez mais rabugento. Tudo ele sabe e não queira dirigir com ele do lado, porque ele dá ordens, reclama e critica você o tempo inteiro. A Luciana casou e se separou duas vezes. Agora está de namorado novo e ele é ótimo, se dá muito bem com as meninas. Ela tem três.

CONTORNOS - Pinceladas do amor entre mulheresOnde histórias criam vida. Descubra agora