O FANTASMA DA EX NAMORADA

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Paula deixou escapar um suspiro antes de tomar mais um gole da long neck que segurava. Olhou para Sarah, que estava sentada no sofá ao lado dela, aos beijos com a namorada.

A felicidade da amiga a deixava numa estranha dualidade de sentimentos. Feliz por ela, mas ao mesmo tempo, aquilo parecia apontar, exacerbar, deixar ainda mais sensível a solidão em que se encontrava.

Desde a formatura, dois anos atrás, nunca mais tinha visto Letícia. Feliz ou infelizmente, não sabia ao certo. Cursavam faculdades diferentes e os amigos em comum haviam se dividido, como bens repartidos, então não tinham mais nenhum contato.

Depois que ela e Letícia haviam terminado, tinha ficado com outras garotas - poucas - feito sexo com um número menor ainda. Apenas duas. Na verdade, tinham sido momentos efêmeros e superficiais. Nenhum que a fizesse sentir o que realmente desejava. Exatamente por isso, fazia mais de seis meses que... nada.

Levantou e se afastou, sem que ninguém reparasse. Caminhou pela festa, passando entre as pessoas como tinha feito durante os últimos vinte e quatro meses: como se não estivesse ali de verdade. Foi até a sacada, afastou-se do casal que se agarrava num canto. A última coisa que queria era atrapalhar quem tinha o que lhe faltava.

Debruçou-se na murada, olhou para a rua, observou com uma desatenção despreocupada os carros que passavam lá embaixo. Bebeu mais da cerveja que ainda segurava... e riu. Em parte de si mesma, em parte por ter bebido um pouco além do que estava acostumada.

- Será que eu posso rir com você?

Ficou absolutamente sem graça. Até olhar para a garota que sorria para ela, de um jeito que deixou Paula incrivelmente interessada.

Já a tinha visto várias vezes na faculdade. Estava em um dos últimos semestres de... Odontologia, talvez? Não tinha muita certeza. Só sabia que ela dividia apartamento com a melhor amiga da namorada de Sara, já tinha até ido numa festinha na casa delas.

Vasculhou a memória à procura do nome, mas não precisou se esforçar. Ela estendeu a mão, como se lesse seus pensamentos:

- Natália.

Colocou a mão na dela e, estranhamente, o simples contato das peles fez a voz soar fraca:

- Paula.

Nenhuma das duas retirou a mão, muito pelo contrário. Natália apertou a de Paula de leve:

- Eu sei o seu nome... Faz um tempinho já.

Voltou a sorrir. Paula correspondeu sem nem sentir, os olhos igualmente colados. Nenhuma das duas disse mais nada, aproximaram-se, atraídas por uma força irresistível. Quando as bocas se encontraram, Paula não conseguiu compreender de imediato, por que derrubava todas as certezas que tinha. De que não sentiria aquilo com ninguém mais.

Não foi capaz, nem quis pensar no que significava ou deixava de significar. Entregou-se, se permitiu ser tragada, mergulhou sem pudores, barreiras ou ressalvas no prazer que o toque dela causava.

Quando deu por si estava encostada na parede, os dois corpos se friccionando de uma forma deliciosamente incendiária. Natália subiu a boca pelo pescoço dela e sussurrou, com a mesma arfante dificuldade que Paula sabia que também teria se tentasse falar:

- Vamos... Pra minha casa?

Concordou com um aceno de cabeça, sem soltá-la. Foi Natália que se afastou, apenas o suficiente para colocarem as roupas no lugar. Depois, segurou Paula pela mão e a puxou pela sala em direção à saída. Antes que a alcançassem, Paula se viu obrigada a pará-la:

- Espera... Eu preciso muito ir no banheiro.

Natália sorriu:

- Tá. Te espero aqui.

A urgência dupla fez Paula ser rápida. Felizmente não havia fila, em questão de poucos minutos já estava saindo do pequeno lavabo, pronta para voltar para Natália.

Assustou-se.

Ficou inteiramente paralisada.

Quando se deparou com Letícia, tão perto da porta que, quando a atravessou, praticamente caiu em seus braços.

- Paula...

Foi a única coisa que Letícia disse, antes de segurar Paula pela cintura, puxá-la para si e beijá-la.

Por mais que Paula soubesse que deveria, que precisava... Foi impossível resistir. A fraqueza a derrotou com uma força inabalável, que respondia única e exclusivamente à saudade, à vontade, à incapacidade de negar a própria necessidade.

Naquele momento, a razão pareceu abandoná-la. A única coisa que importava era a boca, os lábios, a língua, as mãos, a perfeição do encaixe, da fusão, da fissão. A respiração que se alterava, entrando num ritmo que repetia: Letícia, Letícia, Letícia...

Com os braços enlaçando-a pelo pescoço, a única coisa que Paula conseguiu fazer foi deixar o corpo inteiro se entregar, se arrebatar, se extasiar. Como se ali, com ela, a existência começasse e terminasse.

- Vem comigo.

Letícia sussurrou, fazendo com que Paula voltasse a si. Gaguejou um protesto fraco:

- Não, eu... Não...

Abriu os olhos bem a tempo de ver Natália parada a alguns metros, olhando para as duas, antes de virar-se e afastar-se.

Ficou absolutamente dividida. Entre correr atrás de Natália e desculpar-se ou permanecer nos braços de Letícia.

- É sua namorada?

Não foi a pergunta, mas a resposta que fez com que se decidisse:

- Não.

Trecho do livro O INFINITO EM OUTRAS VOLTAS de Diedra Roiz, publicado pela Editora Vira Letra

Trecho do livro O INFINITO EM OUTRAS VOLTAS de Diedra Roiz, publicado pela Editora Vira Letra

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