CAPÍTULO 15

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          Gabriel parou o carro em frente a casa de Lanira.
          - Você falou pouco, está pensativo. Não está bem - indagou ela.
          - Não nego que estou lá preocupado. Eu esperava que os espíritos falassem mais claro sobre Alberto.
          - Você está ansioso. A situação é mesmo delicada. Eu também esperava uma resposta mais clara. Mas o Dr. Camargo está do nosso lado, ajudando. Isso me parece bom.
          - Muito bom. Contudo, só em pensar que Alberto pode ser morto e que nós não temos como fazer nada para impedir deixa-me nervoso.
          Lanira colocou a mão sobre o braço de Gabriel num gesto carinhoso:
          - Não fique assim. Você fez tudo quanto podia. Está se arriscando para salvá-lo. Precisa manter a calma.
          - Obrigado, Lanira. Se não fosse por você, eu teria cometido alguma loucura. Passou a mão pelo rosto dela com carinho:
          - Você é linda! Tem tudo quanto eu aprecio em uma mulher!
          - Você também. É bonito por fora e por dentro. Ele a abraçou, apertando-a de encontro ao peito.
          - Perto de você sinto paz. Queria poder levá-la comigo esta noite e ficar assim, abraçado, sentindo seu coração bater junto ao meu, o pulsar de seu corpo, seu hálito quente, o perfume delicioso de seus cabelos.
          Gabriel começou a beijar os cabelos dela, depois sua face, até encontrar seus lábios entreabertos.
          - Lanira - disse baixinho -, vem comigo. Eu preciso de você. Fica comigo nesta noite.
          Emocionada, ela retribuía os beijos apertando-o de encontro ao peito. Ela também desejava ficar com ele, fosse onde fosse e queria que aquela noite nunca acabasse. De repente, ele ligou o carro saindo em alta velocidade. Chegou no ancoradouro de seu barco. Parou e pegando Lanira pela mão conduziu-a para dentro. Uma vez lá, abraçou-a, beijando-a repetidas vezes.
          Sem pensar em mais nada, levou-a até a cabine e juntos entregaram-se aí sentimento que não conseguiam conter.
          Uma hora depois, deitados um ao lado do outro, Gabriel abraçou Lanira, beijando-a levemente na face, dizendo:
          - Perdoe-me. Não consegui me conter.
          - Eu vim porque quis. Não tem do que se culpar.
          - Eu amo você. Quando tudo isso passar, podemos nos casar. Ela se sentou na cama.
          - Casamento não estava em meus planos tão cedo.
          - Eu também não havia pensado nisso. Porém, agora...
          - Sou adulta e mulher o suficiente para arcar com a responsabilidade pelo que fiz. Você não precisa casar comigo por causa do que aconteceu esta noite.
          - Você nunca tinha tido uma relação. Depois há sua família.
          - Esqueça, Gabriel. Não desejo casar porque você me deflorou, nem porque minha família pode descobrir. Se um dia me casar, terá que ser por amor só por amor.
          - Eu amo você. Falei em casamento por amor.
          - Não foi o que me pareceu.
          - Você não me ama.
          - Eu gosto de você. Nessa noite você me fez sentir emoções que nunca havia sentido. Não sei se isso é amor. Só não quero que se sinta obrigada a casar comigo por causa das convenções sociais. Isso, não. Jamais me transformarei em uma matrona como há muitas por este Rio de Janeiro. Bonecas sociais, a serviço das futilidades e das intrigas.
          - Você nunca será uma delas.
          - Não serei mesmo. Nós não planejamos o que aconteceu esta noite. Vamos deixar assim. Precisamos de tempo para perceber o que realmente desejamos. Eu quero ser feliz e tenho a certeza de que serei. Se essa felicidade for ao seu lado, será bom, mas se estiver em outro lugar, quero descobrir.
          - Você é uma mulher diferente. Nunca conheci ninguém como você. Ela sorriu alegre.
          - Vamos embora. Já passa das duas. Preciso dar um jeito de entrar em casa sem que mamãe perceba.
          Eles se vestiram e saíram. Uma vez no carro, fizeram o percurso sem conversar, cada um imerso nos próprios pensamentos. Quando pararam em frente a casa de Lanira, Gabriel pegou a mão dela dizendo comovido:
          - Obrigado, Lanira. Eu estava inquieto, nervoso, indisposto. Você me devolveu a calma. Estou me sentindo muito melhor. Você fez por mim nesta noite o maior bem que poderia ter feito. Eu amo você!
          Ela sorriu e beijou-o levemente na face, saindo do carro. Na porta de casa, tirou os sapatos, enfiou a chave na fechadura, abriu a porta, acenou e entrou. Gabriel ligou o carro e saiu, sentindo-se bem como há muitos dias não se sentia.
          A casa estava às escuras e Lanira não acendeu a luz. Pé ante pé foi para seu quarto. Tirou a maquiagem, tomou um banho e se deitou. Então rememorou tudo quanto havia acontecido naquela noite.
          Ela gostava de Gabriel. Mas casar era outra coisa. Tinha receio de que com o tempo ele se transformasse como seu pai. Ela tinha horror de tornar-se igual à sua mãe, uma figura de aparência, sem emoções, representando um papel.
          Com ela não aconteceria isso. Não desejava confundir seus sentimentos. Gabriel atraía a fisicamente. Era um belo homem. Porém ela desejava descobrir por que se entregara a ele. Fora por amor ou por desejo sexual? As emoções confundiam-se dentro dela e Lanira não conseguia perceber claramente.
          Contudo, sentia que agira certo não tomando nenhuma decisão de compromisso. O tempo diria a verdade. Era preciso deixar acontecer. Tendo decidido isso, ajeitou-se na cama e adormeceu.
          Gabriel chegou em casa, entrou sem acender nenhuma luz, tentando não fazer ruído. Uma vez em seu quarto, fechou a porta, acendeu a luz e preparou- se para dormir. Ia deitar-se quando bateram levemente na porta.
          Quando ele abriu, Maria Júlia entrou rápido, fechando a porta atrás de si.
          - Você demorou! Estava ansiosamente esperando.
          - Aconteceu alguma coisa?
          - Bóris saiu e não voltou até agora. Terá ido atrás de Marcelo?
          - Pode ser. Vou ligar para Jonas. Temos que avisá-lo. Apanhou o telefone e discou. Uma voz de mulher atendeu. Gabriel tornou:
          - Desculpe a hora. Preciso falar com Jonas. É urgente.
          - Ele saiu a trabalho. Você tem o outro telefone?
          - Tenho. Desculpe. Pensei que ele estivesse em casa.
          Gabriel desligou, procurou seu caderno de anotações, localizou o número e discou. Desta vez uma voz de homem atendeu e Gabriel perguntou por Jonas:
          - Ele não está.
          - É urgente. Tenho que encontrá-lo imediatamente.
          - Deixe o recado e verei o que posso fazer.
          - Diga-lhe que Bóris saiu.
          - Mais ou menos às nove horas - completou Maria Júlia, inquieta.
          - Eram nove horas - repetiu Gabriel. E continuou: - Ele sabe do que se trata.
          - Está bem. Darei o recado. Gabriel desligou pensativo.
          - E então?
          - Não sei, mãe. Pode ser que ele esteja justamente tratando do caso neste momento.
          - E se não estiver? E se eles fizerem alguma coisa a Marcelo?
          - Não adianta agora ficar nervosa. Nós fizemos tudo quanto nos foi possível fazer para evitar essa tragédia. O momento é de confiar em Deus e esperar.
          - Não consigo ficar calma. Estou agoniada.
          - Papai está em casa?
          - Está dormindo.
          - Sente-se aqui, mãe, vamos rezar. E o que podemos fazer agora.
          - Já nem sei como se reza, Gabriel. Deus não vai ouvir uma pecadora como eu.
          - Não diga isso. Por que se subestima? Você deseja o bem tanto quanto eu.
          - Depois de tudo que eu fiz?
          - A culpa não vai ajudar em nada por que só vê o lado ruim? Você arriscou sua vida para salvar Marcelo. O espírito do Dr. Camargo disse que é muito grato a você por isso e que está nos ajudando.
          - Ele não está com raiva de mim?
          - Não, mãe. Ele está do nosso lado. E por isso que eu confio na ajuda espiritual. Nós estamos do lado do bem. Deus está conosco e os bons espíritos também. Maria Júlia não respondeu. A comoção não a deixava falar. Gabriel segurou sua mão e com voz comovida conversou com Deus, pedindo ajuda para eles todos e proteção para Marcelo.
          As lágrimas desciam pelos olhos de Maria Júlia, tocada pelas palavras confiantes do filho. Quando ele se calou, ela se sentiu aliviada.
          - Obrigada, meu filho. Sinto-me melhor agora. Acho que vou me deitar. Seu pai pode acordar e desconfiar.
          - Isso mesmo, mãe. Procure descansar. Vou tentar fazer o mesmo.
          Depois que ela se foi, Gabriel deitou-se né tentou dormir. A lembrança de Lanira não lhe saía do pensamento. Que mulher! Apesar do que acontecera entre eles, ela recusaram compromisso. Ele sentia que estava apaixonado. Não desejava perdê-la. Decidiu que daquele dia em diante tudo faria para conquistá-la definitivamente.
          Daniel chegou em seu apartamento passava dá uma. Lídia não lhe saía do pensamento. Ao recordar-se de seus beijos, seu coração se descompassava e ele estremecia de prazer. Deitou-se, mas não conseguia pegar no sono. As emoções daquela noite foram muito fortes. Tinha que se render à evidência. Algum dia, em algum lugar, de alguma forma, ele conhecera Lídia e a havia amado.
          A reencarnação! Seria mesmo verdade? Era a única explicação possível para os fatos que estavam acontecendo em sua vida. Ele já havia vivido antes com Lídia, amado, sofrido. Lembrou-se da cena em que ela morria de seu desespero, sentiu um aperto no coração. As palavras de Norma voltaram-lhe à memória:
          - "O que aconteceu naqueles tempos não vai acontecer de novo!"
          - Espero que agora tudo seja diferente. Se acontecesse de novo, não conseguiria suportar aquela dor. Tenho que me acalmar. Não posso me deixar envolver pelo emocional. Não posso me deixar envolver pelo emocional. Foi o que ela me recomendou.
          Lembrou-se da sensação gostosa que sentiu naquela sala ao lado de Norma. Era assim que gostaria de sentir-se sempre. Firmou o propósito de voltar às sessões em casa de Josefa. Rubinho chegou procurando entrar sem fazer ruído e foi para seu quarto. Daniel tentava pegar no sono quando o telefone soou. Atendeu:
          - Daniel? É Jonas. Prendemos o pássaro com a boca na botija. Está tudo bem.
          - E Alberto?
          - Está aqui na delegacia prestando declarações. Você precisa vir agora. Há algumas formalidades.
          - Iremos imediatamente. Ele está bem?
          - Abatido, é claro. Mas inteiro.
          Daniel pulou da cama e foi ter com Rubinho:
          - Acorde, Rubinho! Jonas prendeu o homem. Temos que ir à delegacia. Rubinho levantou-se de um salto:
          - Não diga! E Alberto?
          - Está bem. Vamos embora logo.
          Os dois vestiram-se apressados e dirigiram-se à delegacia, onde Jonas esperava-os:
          - E então? - indagou Daniel assim que o viu.
          - Está tudo bem. Estamos formalizando a queixa, o flagrante. Alberto está prestando declarações para abertura do inquérito.
          - Podemos vê-lo? - perguntou Rubinho.
          - Claro. São seus advogados. Vamos entrar.
          Jonas conduziu-os a uma sala onde o delegado fazia as perguntas, Alberto respondia e o escrevente anotava. Vendo-os entrar, Alberto levantou-se emocionado.
          - São os advogados dele - esclareceu Jonas ao delegado. Depois das devidas apresentações, Alberto abraçou-os comovido.
          - Fiquei com medo de nunca mais ver vocês - disse.
          - Felizmente você está aqui - disse Rubinho abraçando-o.
          - É um alívio vê-lo, Alberto! - tornou Daniel juntando-se no mesmo abraço.
          - O que aconteceu? - perguntou Rubinho.
          - O escrivão vai ler as declarações que Alberto fez, para vocês tomarem conhecimento.
          Ele começou a ler e eles souberam como ele havia sido sequestrado e conduzido àquela casa onde estava preso.
          - Ele vai continuar o relato. Vocês podem sentar-se. Vendo-os acomodados, o delegado perguntou:
          - Você chegou a ver o rosto de alguém enquanto ficou naquela casa?
          - Era sempre o mesmo que aparecia de vez em quando para trazer algum alimento. Mas sempre usava máscara. Apesar disso, eu o reconheci depois que me libertarem. Sua voz, a estatura, os cabelos, tudo.
          - Você acha que eram apenas dois os seqüestradores?
          - Acredito que sim. Não vi mais ninguém. Hoje à noite, ouvi quando eles chegaram. Conversavam em voz baixa, não consegui entender o que diziam. Depois ouvi fortes batidas na porta da rua e alguém gritando: "Polícia! Abra em nome da lei!" Eles arrastaram móveis, depois ouvi passos, acho que eles estavam correndo tentando escapar. Meu coração batia tão forte que parecia querer sair pela boca.
          Jonas interveio:
          - Eu gritei na porta de entrada, mas tinha quase certeza de que eles iam tentar fugir pelos fundos. Foi o que eles fizeram. Saíram, mas meus homens estavam escondidos e os prenderam.
          - Fizeram um bom trabalho - disse o delegado.
          - Com licença, doutor?
          - Entre, Nestor. Então, o que descobriu?
          - Bom, um é Antunes, nosso antigo conhecido. Desta vez está enroscado. O outro é estrangeiro. Estamos levantando a ficha dele. Trabalha para um tal de Dr. José Luís Camargo de Melo.
          - Trancado os dois.
          - Antunes exige que procuremos pelo senador Medeiros. Bóris mostra-se indignado e diz que estamos enganados. Nega participação no seqüestro. Chama pelo Dr. José Luís, alegando que trabalho como secretário dele.
          - Deixe-os gritar e prenda-os. Quanto a chamar seus padrinhos, veremos amanhã. Desta vez Antunes está encrencado e nenhum político poderá ajudá-lo. O outro também. Foram presos em flagrante. Não há defesa.
          Nestor saiu. O delegado tornou:
          - Para vocês esse fato foi concludente. Vale como uma confissão do Dr. José Luís a respeito da herança. Vocês tiveram muita sorte. Eles mesmos se condenaram.
          - Apesar do susto, agora reconheço que foi bom ter acontecido - acrescentou Alberto.
          - Dentro de mais algum tempo, vocês vão ganhar essa. Parabéns. Vai ser uma bomba na sociedade! Poucos advogados teriam coragem de fazer o que vocês fizeram. Eu mesmo ouvi muitos comentários contra vocês. Diziam que só aceitaram essa causa porque eram inexperientes. Iriam quebrar a cara. Nunca mais fariam carreira - disse o delegado. - Estou satisfeito com esse resultado. Essas pessoas que abusam do poder, que passam por cima de tudo, que se valem até do crime para ter dinheiro, precisam responder por seus atos.
          - A lei vai resolver o assunto. Agora é com vocês - disse Jonas com satisfação. Depois das providências legais, Alberto finalmente foi liberado. Na saída da delegacia, perguntou a Jonas:
          - Como foi que descobriu onde eu estava?
          - Bom, depois que Gabriel nos procurou, passamos a vigiar Bóris e Antunes mais de perto. Assim, hoje à noite, quando Bóris saiu e foi encontrar-se com seu comparsa, meus homens os seguiram. Suspeitaram e me avisaram. O resto você já sabe.
          - Gabriel, filho de Maria Júlia? Ele nos ajudou? Ele sabia de alguma coisa?
          - A mãe se abriu com ele. Contou tudo quanto aconteceu no passado. Ele ficou atrasado e procurou Lanira pedindo ajuda. Ela o aconselhou a procurar-nos - explicou Rubinho.
          - Gabriel contou-nos que Maria Júlia não foi cúmplice do marido. Teve medo deles, mas ainda assim salvou sua vida. Eles pretendiam matá-lo. Ela tem muito medo deles - completou Daniel.
          - Assim tudo fica mais claro. Nunca entendi a atitude dela. Por que ela suspendeu a mesada?
          - Bóris descobriu e contou a José Luís. Ela, com medo de que eles descobrissem seu paradeiro e tentassem alguma coisa contra você, suspendeu o dinheiro.
          - Puxa! Agora estou entendendo.
          - Vamos deixá-lo em casa. Precisamos descansar. São cinco horas da manhã - resolveu Rubinho.
          - E verdade. Hoje teremos um dia cheio - concordou Daniel.
          - Nada antes do meio-dia - acrescentou Rubinho. - Precisamos dormir.
          - E o que vou fazer agora - disse Jonas despedindo-se.
          - Nunca esquecerei o que estão fazendo por mim - disse Alberto emocionado.
          - Vamos embora - propôs Rubinho.
          Os dois deixaram Alberto em casa e só se despediram depois de deixarem dentro do apartamento. Estavam exaustos porém felizes. As coisas começavam a se esclarecer. No dia seguinte Lanira acordou com o som do telefone. Ainda meio somada, atendeu:
          - Alô.
          - Alô! Lanira?
          - Gabriel? Aconteceu alguma coisa?
          - Aconteceu. Estou preocupado. Bóris não dormiu em casa e não voltou até agora. Aonde terá ido? Será que Jonas recebeu nosso recado ontem?
          Lanira pulou da cama:
          - Não convém falar neste assunto pelo telefone.no melhor será irmos até o apartamento de Daniel. Você pode passar aqui agora?
          - Dentro de dez minutos estarei aí.
          Lanira desligou e tratou de arrumar-se. Antes dos dez minutos combinados ela já estava na copa, depois de olhar pela janela da sala e ver que Gabriel ainda não havia chegado. Maria Alice olhou-a admirada:
          - Aonde você vai tão cedo?
          - Já passa das dez, mãe.
          - Não vi a que horas você chegou ontem à noite. Passava dá uma e você ainda não estava em casa.
          - Estivemos com Daniel e alguns amigos. Esquecemos da hora.
          - Tome seu café. Ultimamente você não tem se alimentado direito. Vive distraída, no mundo da lua.
          Lanira engoliu uma xícara de café com leite e beliscou um pedaço de bolo. Acabara de ouvir a buzina de Gabriel. Levantou-se, apanhou a bolsa e foi saindo.
          Maria Alice seguiu-a inconformada:
          - Você não disse aonde vai. De novo com Gabriel? Não, vai me dizer que estão namorando.
          Lanira parou, olhou-a e respondeu:
          - Não, mãe. Estamos apenas nos conhecendo melhor.
          - Tinha que se envolver logo com ele? Já pensou se Daniel estiver certo?
          - Daniel está certo, mas Gabriel não tem nada a ver com as atitudes do pai. É um moço de bem, pode ter certeza disso.
          - Não né agrada que esteja se relacionando com ele. É melhor acabar logo com isso antes que a situação se complique. Eu e seu pai não queremos vê-la envolvida com pessoas duvidosas.
          - Gabriel é pessoa digna e fora de qualquer suspeita, pode ter certeza disso.
          - Afaste-se dele. Será melhor para todos.
          - Não vou fazer isso. E digo mais: se um dia eu resolver que gosto dele o bastante, me casarei.
          Maria Alice levou as mãos à cabeça:
          - O quê? Anda pensando em casar-se com ele? Falarei com seu pai hoje mesmo.
          - Não vou me casar com ele, mãe. Só disse que, se um dia eu vier a amá-lo, me casarei com e. Por enquanto ainda não estou pensando nisso.
          Ela saiu e fechou a porta antes que Maria Alice tivesse tempo de responder. Vendo-os entrar no carro de Gabriel e saírem, ela torceu as mãos aflita.
          Ela sofrerá a vida inteira para manter as aparências, conservar a família, pensando no futuro dos filhos. Engolira a amante do marido, seu desinteresse dos filhos, para que eles fossem poupados da maledicência.
          Se Lanira fizesse um casamento desastroso, de que teria servido seu sacrifício? Daniel recusara-se a seguir os passos do pai e preferira o confronto, a desobediência, pondo em risco o prestígio do nome que usava. Agora Lanira ameaçava-os com um casamento desonroso. Aflita, telefonou para o marido. Precisava desabafar.
          Alicia atendeu:
          - D. Maria Alice? O deputado está em reunião com o secretário geral do partido. Quer deixar recado?
          Maria Alice perdeu a calma. Para falar com o marido tinha que pedir permissão à sua rival?
          - Passe a ligação a ele. Não perguntei com quem ele está agora. Alicia estranhou. Nunca a vira sair da classe costumeira.
          - Vou passar - respondeu com voz fria. Ligou para Antônio e disse:
           - D. Maria Alice ao telefone.
          - Estou em reunião, você sabe. Diga-lhe que ligo depois.
          - É melhor atender. É urgente. Ela me pareceu nervosa.
          - Está bem. Alô... Aconteceu alguma coisa?
          - Aconteceu, sim. Precisamos conversar urgente. Seria melhor você vir almoçar em casa.
          - É assim tão urgente? Não pode esperar até a noite?
          - Não. Se não poder vir até aqui, irei até aí. Temos que conversar.
          - Eu tenho compromissos urgentes. Não poderei ir almoçar em casa.
          - Nesse caso, passarei aí. Até logo.
          Ela desligou e ele, embora quisesse convencê-la a não ir, não teve outro remédio senão desligar. O que teria aco0pntecido?
          Maria Alice chamou o motorista e preparou-se para sair. Meia hora depois estava entrando no escritório de Antônio. De repente, sentiu aumentar sua raiva contra Alicia e o marido. Estava cansada de fingir que ignorava a ligação deles e de reprimir seus sentimentos. A atitude dos filhos, que ela considerava ingrata, havia ressaltado a inutilidade de seu sacrifício. Sentia no peito a frustração de perceber que todos os seus sonhos de mãe corriam k risco de naufragarem. Eles representavam seu porto de salvação no caos em que sua vida havia se transformado. Havia transferido para eles todos os seus sonhos e eles haviam alimentado sua sede de felicidade durante todos aqueles anos.
          O que fazer agora se eles viessem a ruir? Onde se segurar depois que eles a abandonassem? Não. Ela não podia consentir em perder também com os filhos. Havia se dedicado a eles toda a vida e merecia que eles correspondessem às suas expectativas. Se isso também desse errado, o que restaria?
          Entrou na sala de Alicia e, vendo-a elegante, bonita e bem tratada, sentiu aumentar seu rancor.
          Alicia levantou-se:
          - Bom dia, D. Maria Alice. O deputado está com o Dr. Mendes. Sente-se um pouco. Vou avisar que a senhora está aqui.
          Maria Alice respondeu o cumprimento com um leve aceno de cabeça e tornou:
          - Não se incomode.
          E de cabeça erguida dirigiu-se à porta da sala do marido. Alicia tentou impedi-la:
          - O deputado vai me repreender. Por favor. Deixe-me avisá-lo.
          - Sente-se e não se meta. Não preciso de intermediários para entrar no escritório de meu marido.
          Alicia abriu a boca e tornou a fechá-la. Sentou-se e ficou muda. O que teria acontecido?
          Ela teria descoberto tudo? Suas pernas tremeram e, vendo-a entrar na sala do marido e fechar a porta, apressou-se a ir apanhar um copo com água e beber tentando acalmar-se. Algo de muitos grave deveria ter acontecido para Maria Alice saísse da costumeira classe e tivesse sido tão dura com ela.
          Sentiu vontade de sair dali correndo. Se ela soubesse a verdade e viesse exigir satisfações, o que lhe diria? Não se sentia disposta a enfrentá-la. Um agudo sentimento de culpa a acometeu. Tinha horror a disputas e a escândalos. Vendo Maria Alice entrar, Antônio levantou-se surpreendido Mendes levantou-se também com gentileza.
          - Maria Alice! Por que não me avisou que havia chegado?
          - Não preciso de sua secretária para falar com você. Ele enrubesceu admirado pelo tom que ela usara:
          - Claro... claro... Conhece Mendes, não?
          - Como vai, Dr. Mendes? Estou sendo importuna? Interrompi algo importante?
          Ele apanhou delicadamente a mão que ela lhe estendia e beijou-a cortesmente.
          - Não interrompe nada, senhora. Sua presença é sempre um encanto. Nós já havíamos terminado nosso assunto.
          - Ainda bem - disse ela.
          - Eu já estava me despedindo. Tive imenso prazer em vê-la.
          - Estamos combinados, então - disse Antônio.
          Depois que ele saiu, Antônio olhou a mulher, que havia se sentado na cadeira em frente à sua escrivaninha.
          - Agora você pode me explicar por que veio aqui desta forma i inusitada e invadiu meu escritório sem respeitar minha privacidade?
          - Achei que não tinha nenhum problema em falar com você. Se sua secretária estivesse aqui a sós com você, eu teria batido na porta antes de entrar. Mas como era um homem...
          A surpresa fez Antônio emudecer. Ela teria descoberto sua ligação com Alicia?
          Tentou dissimular:
          - O que quer insinuar?
          - Nada que você não saiba. Mas o assunto que me trouxe aqui e relacionado com Lanira. Ela levantou cedo e saiu com Gabriel. Quando chamei sua atenção, respondeu que, se resolver casar com ele, ninguém vai poder impedir.
          - Como é? Ela disse casar?
          - Disse.
          Ele se remexeu na cadeira tentando entender. De certa forma estava aliviado por desviar o assunto de sua secretária.
          - Bom... ela está namorando-o?
          - Disse que não, mas suspeito que as coisas estão mais adiantadas do que ela quer mostrar.
          - Você está exagerando. Não vejo motivos de preocupação. Gabriel é moço de uma das melhores família do Rio de Janeiro.
          - Em vias de ser transformada em um bando de ladrões. Antônio abanou a cabeça negativamente:
          - Isso a preocupa? Esse caso não vai dar em nada, pode crer. Se o louco do Daniel não tivesse dado ouvido a Rubinho, não estaríamos nesta situação. Onde já se viu? Querer ser a palmatória do mundo! Eles vão quebrar a cara, você vai ver.
          - Não é isso o que parece. Lanira afirmou categoricamente que Daniel está certo. Ela tem saído muito com ele e Rubinho. Sabe exatamente o que está acontecendo por lá.
          - Seja como for, não vejo motivo para tanto alarde, nem para você perder a linha. Maria Alice sentiu sua irritação voltar.
          - Não vê? Mas eu tenho me questionado ultimamente se vale a pena continuar a ser uma pessoa de classe, guardar as aparências mesmo quando se tem vontade de gritar e espancar todo mundo.
          Antônio olhou-a boquiaberto. A mulher que tinha diante de si não era a que estava habituado a ver. Era outra, olhos cintilantes de rancor, rosto contraído, boca arqueada em ricto de ironia. Tentou contemporizar:
          - O que está havendo com você? Está doente? Nunca a vi tão nervosa. Acho melhor marcar uma consulta com o Dr. Malheiros.
          - Não preciso. Do que se admira? O fato de eu controlar meus sentimentos não significa que eu esteja imune às emoções que brotam em meu coração. Já vivemos mais da metade de nossa vida e é duro perceber que não estamos indo a lugar nenhum. Que todos os sacrifícios que fizemos não tinham finalidade. Foram inúteis. Não passavam de ilusões sem sentido. Tenho medo de acordar e descobrir que perdemos tempo, que nossa vida toda foi um engano, um pulo no vazio, uma inutilidade.
          Antônio assustou-se vendo o rosto dela determinado, abatido, seu corpo curvado ao peso dos próprios pensamentos.
          Aproximou-se e passou o braço pelas costas dela tentando confrontá-la. Maria Alice continuou sentada, parecendo não registrar a atitude dele, que não sabia o que dizer. De repente, ela se levantou, olhou-o e ele notou que ela recuperara a postura de sempre:
          - Antônio, você tem que falar com Lanira e exigir que ela deixe de ver Gabriel. Ele não achou prudente contrariá-la.
          - Verei o que posso fazer. Hoje à noite irei mais cedo para casa e conversaremos. Você quer que a acompanhe até em casa?
          - Para quê? Já disse o que tinha a dizer. Não quero interromper seu dia de trabalho. O motorista está me esperando.
          Ela se levantou e saiu. Passou por Alicia sem olhá-la sequer. Assim que ela fechou a porta atrás de si, a secretária foi ter com Antônio. Estava pálida:
          - E então? O que foi que ela disse?
          - Nada de mais. Queria falar sobre Lanira. Alicia respirou fundo.
          - Tive a impressão que ela ia me agredir. Nunca a vi desse jeito. Acho que ela sabe de tudo sobre nós.
          Ele balançou a cabeça pensativo, depois disse
          - Pode ser. Em todo caso, não falou diretamente no assunto.
          - Acho melhor dar um tempo... Só nos falarmos aqui... Antônio abraçou-a com carinho:
          - Que bobagem! Ela não sabe de nada. E se sabe vai fingir que ignora. Sei como ela pensa. As aparências em primeiro lugar.
          - Pode ser, mas estamos nos arriscando muito. E se seus filhos  descobrirem? Vou morrer de vergonha.
          - Nem pense nisso. Você tem sido a luz de minha vida. Tem me apoiado, dado muitas alegrias. Não saberia mais viver sem você.
         
         
       
     

         
         
         

     
        
         
         

         

         
       
       
         
        
         
    
       
         
         
         
        
         
     

         

O ADVOGADO DE DEUSOnde histórias criam vida. Descubra agora